De volta às passarelas e vitrines de lojas ao redor do mundo, o Boho Chic retorna a ser tendência no mundo da moda, mas um pouco diferente pela influência dos jovens conservadores no estilo boêmio livre.
Por Beatriz Blanes, Gabriela Assunção, Isabela Favilla e Pedro Varkala
O estilo boho, nascido como símbolo de liberdade, resistência e contracultura, hoje retorna às vitrines, passarelas e feeds de redes sociais. Porém, ironicamente, a volta do estilo impulsionou criadores digitais cristãos a ressignificá-lo com vestidos longos, cintos de couro e acessórios dourados — peças vendidas por preços exuberantes. Tal resgate vem dos nichos alternativos, mas representa justamente o oposto: um público que, em tese, forma movimentos conservadores contemporâneos nas mídias sociais. O que antes foi sinônimo de transgressão e crítica às normas sociais, agora ganha uma nova roupagem — literalmente — embalada por valores de sobriedade, tradição e modéstia. Essa transformação no significado do boho revela como símbolos culturais podem ser moldados para atender às demandas de grupos distintos, muitas vezes com objetivos opostos.
Esse movimento não surge por acaso. É fruto de uma combinação de forças culturais, econômicas e digitais, que moldam a forma como os jovens se relacionam com a moda, com seus próprios corpos e com a sociedade. O boho, antigamente caracterizado como um manifesto visual contra o sistema, hoje se reinventa como um código de pertencimento para um grupo que se vê, curiosamente, como contracultura frente ao que chamam de “caos moderno”. Essa nova contracultura, embora conservadora, usa elementos visuais que antes representavam liberdade para expressar uma outra forma de rebeldia, baseada em valores distintos.

O que é, afinal, o boho?
O “boho” vem de bohemian, seu primeiro significado era buscar símbolos visuais que representassem a vida boêmia: a vida daquelas pessoas que não se preocupavam com as convenções sociais, uma referência à vida dos artistas, escritores e intelectuais marginalizados do século 19 na Europa, especialmente na França. Tal estética dialogava com a rejeição dos valores burgueses e a busca por uma vida mais livre, nômade, criativa e desapegada das normas convencionais. Essa conexão com a marginalidade histórica contribuiu para a aura de autenticidade e resistência que o boho carregava.
Nos anos 1960 e 1970, durante a explosão dos movimentos hippies e de contracultura, o boho se consolidou como uma estética global. Tecidos fluidos, estampas étnicas, franjas, bordados artesanais, acessórios feitos à mão e sobreposições tornaram-se não apenas uma forma de se vestir, mas também uma declaração política: contra a guerra, contra o capitalismo, contra as estruturas opressoras. Quando alas conservadoras tentam ressignificar esse estilo, cria-se uma contradição direta com as origens do próprio nome: boho.
No começo, a ideia era não gastar tanto dinheiro com roupas quanto se gastava com festas, bebidas e drogas. Por isso, o boho era considerado “sujo”. Seus expoentes foram vítimas de ataques conservadores por representar visualmente a resistência às regras — até mesmo às mais simples, como tomar banho todo dia.
O tempo, no entanto, tem o hábito de transformar até os símbolos mais subversivos. Nos anos 2000, surge o conceito de “boho chic”, uma versão mais higienizada e comercial da estética, popularizada por celebridades como Sienna Miller e as irmãs Olsen. O que antes era um manifesto contra o consumo tornou-se produto de desejo nas vitrines de fast fashion e nas coleções de grandes grifes. Essa comercialização do boho evidencia como o capitalismo absorve e neutraliza movimentos de contestação, transformando-os em mercadoria e moda passageira.
Estilo boho, alma conservadora
É dentro desse ciclo que surge a apropriação contemporânea do boho por criadores digitais conservadores. As peças de roupa e acessórios passam a ser usadas como símbolos de modéstia, feminilidade tradicional e, paradoxalmente, de resistência — não mais contra o sistema capitalista, mas contra os valores do progressismo, da liberdade sexual e da cultura contemporânea.
O aplicativo Pinterest registra um aumento de +755% nas buscas pelo termo “boho dress modest” nos últimos dois anos. No TikTok, hashtags como #TradWife (esposa tradicional), #ChristianGirlAutumn (outono de garota cristã) e #ModestFashion (moda modéstia) acumulam bilhões de visualizações. Este movimento não é isolado. Marcas, influenciadoras e criadoras de conteúdo cristãs constroem, com sucesso, microeconomias baseadas na estética da tradição, vendendo não só roupas, mas também um estilo de vida. Esse fenômeno revela como nichos de mercado se criam e prosperam a partir da junção entre identidade cultural e estratégias digitais de engajamento.
Essa mudança impacta o verdadeiro significado do estilo. Tayná Leite, bacharel em Moda pela FMU e estudante da University of the Arts London, afirma que esse processo é responsável por “esvaziar” o estilo, ressignificá-lo e enfraquecer sua raiz cultural, política e subversiva, transformando-o apenas em uma forma de se vestir. A roupa carrega mensagens — conscientes ou não. Quando vemos pessoas tentando se moldar a um estilo que não condiz com suas convicções, ou adaptando esse estilo para caber em uma nova narrativa, revela-se um desejo de pertencimento. A marca francesa Chloé e supermodelos como Alexa Chung e Doutzen Kroes, referências no mundo fashion, por exemplo, contribuem para esse resgate ao levar às passarelas do Fashion Week 2024 uma coleção com vestidos fluidos, botas de couro até o joelho e uma paleta de tons terrosos. Mas, diferentemente da década de 1970, a motivação hoje é essencialmente comercial, estética e desconectada do motivo político do boho.
Tendência, contradição e algoritmo
Nichos conservadores entendem como usar os códigos das redes sociais a seu favor. Se, há alguns anos, a internet parecia ser um território de liberdade e transgressão, agora ela também abriga movimentos que se posicionam contra esses valores. Tal fato ajuda a entender por que as “trends” e cores se tornam uma epidemia nas mídias sociais. Todos estão buscando fazer parte daquilo, seja o que for, e estilos com princípios questionados acabam sendo apropriados por grupos que contradizem tudo o que inspirou sua criação. Nesse caso, a estética se sobressai e o conteúdo se torna irrelevante para esse público.
As redes sociais e seus algoritmos influenciam essa transformação da estética? “Parece que o algoritmo é uma entidade misteriosa da internet, que tudo sabe, tudo vê e tudo controla”. Segundo o influenciador digital João Matheus Biondi, o algoritmo é central para entender essa transformação, pois nos empurra as ideias da empresa que o desenvolveu. Quando se torna do interesse dessa empresa romantizar determinado ideal, isso molda comportamentos de consumo. Atualmente vivemos num mundo que sofreu uma forte guinada conservadora e, para se adaptar ao mercado (que ainda visa o lucro), é natural imaginar que o algoritmo vá promover ideais conservadores. Isso, sem dúvidas, passa pela moda.
O que se observa é uma romantização de um passado idealizado, que nunca existiu de fato, mas que é comercializado como produto. Trata-se do mercado vendendo, em embalagens atraentes, uma ideia de moralidade esteticamente agradável.
“Os algoritmos são, no fundo, espelhos dos nossos próprios comportamentos”, explica Ana Carolina Ramos, pesquisadora de cultura digital da Universidade de São Paulo. “Eles operam amplificando aquilo que já tem tração social. E o fato é que os discursos conservadores, especialmente ligados à moral, aos papeis de gênero e à ideia de ordem, têm enorme apelo em momentos de instabilidade cultural e social.” É justamente esse ambiente de insegurança que leva parte da juventude a buscar conforto em narrativas de estabilidade e tradição. A estética, então, se torna não apenas uma escolha de moda, mas um manifesto visual.
O paradoxo do consumo conservador
Com a ascensão dos influenciadores digitais, os nichos de moda e religião se encontraram, moldando uma estética conhecida com novos significados. O boho, inspirado pelo estilo folclórico de várias culturas, é reinterpretado em um contexto urbano, criando uma fusão que enfatiza a liberdade individual e a rejeição da rigidez institucional. É disfuncional, paradoxal e, por vezes, hipócrita.
Existe, no entanto, uma contradição que não pode ser ignorada. Se o discurso desses grupos prega simplicidade, desapego e crítica à cultura contemporânea, a prática revela outra realidade: o consumo de moda segue operando na mesma lógica do capitalismo acelerado, impulsionado por microtendências e pela busca constante por pertencimento.
Essa dinâmica não é nova, mas se intensifica nas redes sociais. A lógica da “trend” — a tendência que surge, viraliza e morre em questão de semanas — não poupa nem os movimentos que deveriam ser antagônicos a ela. A estética da tradição se torna, paradoxalmente, uma tendência passageira.
“Vivemos um aprofundamento do paradigma liberal”, diz João Matheus Biondi. “Como e por que um conservador quer se vestir como alguém historicamente associado à boemia, ao excesso e à marginalidade? Eles certamente não querem transmitir a mesma mensagem.” A juventude é historicamente rebelde. Quer ter impacto, incomodar, mudar o mundo. Romper com ideias liberais é, para alguns, o novo símbolo de contracultura — daí o conservadorismo se apresenta como alternativa, apropriando-se de símbolos de subversão para construir uma nova narrativa. Como se romper com o liberalismo fosse, paradoxalmente, um gesto de rebeldia.
Quando jovens conservadores adotam esse estilo hoje, muitas vezes o fazem sem conhecer — ou deliberadamente ignorando — o contexto original. Apropriam-se da estética, mas não do conteúdo político que a acompanhava. Como explica Larissa Pereira, formada em Moda pela Faculdade Belas Artes: “Essa estética traz uma mensagem ideológica disfarçada, tudo embalado num visual que parece neutro, mas não é”.
Vivemos um momento em que a ordem passou a ocupar o lugar do novo “underground”. Em um mundo hiperexposto, instável e caótico, muitos jovens conservadores enxergam na tradição, na sobriedade e na chamada “disciplina estética” uma forma de resistência. É uma inversão curiosa: estilos que nasceram como rebeldia — como o punk ou o boho — agora são domesticados e usados por aqueles que querem se distanciar do que veem como um colapso cultural.
É uma forma de dizer “eu não sou como eles”, só que através das roupas. A moda, nesse sentido, continua sendo um campo de disputa simbólica — mas hoje os códigos visuais são mais sutis, embora igualmente carregados de significado.
O fenômeno se insere no que os estudiosos da moda chamam de “ciclo da novidade”, conceito que descreve como qualquer estética, por mais subversiva que seja em sua origem, inevitavelmente é absorvida, diluída e transformada em mercadoria.
Esse processo gera uma pergunta desconfortável: é possível existir uma estética verdadeiramente subversiva na era das redes sociais? Ou tudo, absolutamente tudo, será inevitavelmente transformado em conteúdo, em mercadoria, em produto de nicho? Essa reflexão final é essencial para compreender os desafios atuais da moda enquanto ferramenta de expressão política e cultural.
UTILIZAÇÃO DE IA
Uso mínimo
Este conteúdo foi produzido por jornalistas, com o uso de Inteligência Artificial em algumas etapas de apoio, como na revisão e edição textual.
IAs Utilizadas: Gemini
Amei!!! Não sabia sobre o estilo Boho e a tamanha influência que ele causa na moda que conhecemos hoje. Adorei essa matéria
Sensacional!!! Não tinha conhecido. Super importante…. Gostei muito da matéria 👏👏
Excelente matéria. Adorei o conteúdo, muito bem escrita. Parabéns!
ótimo artigo
Um tema muito interessante e atual, e uma matéria extremamente bem executada e bem escrita.
Ótimo artigo, parabéns
Muito bom, não conhecia esse estilo Boho
Parabéns pela matéria! Está muito bem escrita e clara, tornando a informação acessível a todos.
Tema super interessante. Tema super atual. Bem colocado para atualidade……..Parabéns!!?
Tema muito interessante e necessário, eu sempre amei o estilo boho para moda e decoração e não sabia que estava em alta na moda! Adorei a matéria.
Parabéns pela matéria! Excelente conteúdo e muito bem escrita.
Parabéns pela matéria!
Ótimo artigo, parabéns a todos que fizeram, muito bem estruturado e explicado
Interessantíssima matéria. Clara, bem escrita e mostra pesquisa consistente.
Olá !
Achei o artigo muito interessante,
Ate mesmo conhecia superficialmente, achei muito bacana
Sensacional percepção. PARABÉNS
Interessante como a moda sempre caminhou junto à história de uma época, de um povo.
Matéria muito interessante.
Adorei saber que está novamente na última tendência! Esses jovens nos mergulharam no conhecer do estilo . Parabéns turminha 😉
Parabéns pela matéria, muito bem escrita e com ótimas informações sobre o tema.
Amei o artigo, sensacional