Junto ao evangelicalismo, a juventude se rende a comportamentos conservadores e a fé cristã. Entenda mais sobre esse fenômeno que atinge o País inteiro.
Ana Laura Azeredo, Giovanna Toffanelli Ghenaim, Júlia Festagallo, Maria Eduarda Barreira
“Muitas vezes a busca inicial não é Cristo, mas o que as igrejas têm para proporcionar de entretenimento”, diz Giovana Verotti.
Mesmo que essa não tenha sido sua real motivação ao buscar uma vida cristã. Com 16 anos, a jovem, conta que sua conversão, há dois anos, foi motivada pela família.
Após uma revelação divina, ao ver Jesus Cristo materializado em forma humana, Luiz Verotti decidiu deixar a profissão de médico em segundo plano e partiu para um bacharelado em Teologia. Convenceu a mulher, Francine, a acompanhá-lo nessa jornada. Com os pais convertidos, Giovana seguiu o mesmo caminho. E, por ser jovem, ela decidiu circular pelo universo dos influenciadores cristãos. Tem hoje quase 2 mil seguidores. Em suas postagens nas redes sociais, ela procura espalhar a palavra do Evangelho e disseminar seu estilo de vida, de novos hábitos e ideais. Até já publicou um livro, Espelho de Cristo (All Print Editora), em que fala em linguagem madura as citações bíblicas. Em seus planos, está se distanciar de livros padrões de autoajuda e se aproximar do “verdadeiro” Evangelho.

“A modernização das igrejas, como as “church’s”, busca atrair o público jovem com uma abordagem mais contemporânea”, explica a teóloga Maira Spada. A ascensão da religião cristã pentecostal e neopentecostal se dá, também, por alterações feitas nos templos para atrair a juventude. No lugar dos espaços claros com púlpitos de madeira, existem as famosas paredes pretas, telões de LED, jogos de luzes com foco no palco e na banda gospel, assemelhando-se com uma balada.
Usar a palavra “church” (igreja em inglês) indica outra substituição que sugere uma ideia moderna, descolada e desvincula do pensamento de uma instituição tradicional. Ao usar o termo em outra língua, procura-se criar uma associação com inovação e cultura pop, o que foge dos rótulos e traz leveza.
Outra forma de aproximação é a conversão de pastores em influencers, fazendo vídeos de dancinha e sobre fé no TikTok e no reels do Instagram. Giovana diz acreditar que esse uso seja muito positivo, pois alcança pessoas que não seguem essa crença ou que não entendem. O feed do pastor ou do templo funciona como uma vitrine: tudo o que for encontrado lá, é o que você espera encontrar nos cultos. Ou seja, se o Instagram for positivo, autêntico e descontraído, provavelmente atrairá mais fieis.
“Incluir contextos religiosos na mídia é uma arma espetacular para atrair jovens, como pastores pregando, pessoas falando em línguas, cantores de músicas gospel, famosos. Tudo isso faz com que o jovem se veja naquela pessoa e se sinta em seu ambiente natural, sem precisar deixar sua identidade para fora da religião como era antigamente e ainda é em algumas igrejas mais tradicionais.”, diz a teóloga Maira.
A linguagem e vestimentas informais que se aproximam dos adolescentes, também chamam a atenção, tanto nos vídeos como nas reuniões. “A gente não precisa de um vocabulário erudito para parecer espiritual”, afirma a estudante Giovana. Assim, a linguagem acaba se tornando acessível. Com falas simplificadas e vestuário informal, cria-se um sentimento de pertencimento e aquele pensamento de “gente como a gente”.
Mesmo que o ambiente físico e a linguagem visual pareçam inovadores, os discursos pregados ainda refletem interpretações rígidas da Bíblia, reforçando os valores conservadores antigos. A modernização, assim, ocorreu somente na estética, já que a ideologia se manteve na doutrina tradicional. Como diz o colunista da revista UOL Ranieri Costa, 34, “A fé precisa mais do que likes”.
Por que os jovens se tornam cristãos?

“Eu creio que o mundo tem desprezado os jovens e adolescentes, e quando digo isso é na verdade de que eles precisam ser cuidados, guiados, corrigidos e aconselhados”, declara o pastor Paulo Henrique Rodrigues, de 38 anos.
Ao se converter, a renúncia carnal é um dos fatores que mais afasta o público jovem do evangelicalismo. Com a modernização de algumas igrejas evangélicas, principalmente as neopentecostais, que de acordo com o colunista da UOL, “neopentecostal não é uma denominação, mas sim uma práxis teológica – ou seja, um modo de ser e fazer igreja, a partir de interpretações específicas das Escrituras”, geram adaptação de aspectos mundanos para o mundo cristão.
As igrejas evangélicas têm procurado apostar no diferencial em relação a outras religiões para conquistar mais fieis. As igrejas católicas, por exemplo, promovem menos eventos de inserção da juventude. “A gente vê agora um monte de igrejas sendo formada de parede preta, né? Por exemplo a Lagoinha, que é muito hype. Muitas pessoas vão porque parece uma balada, porque é muito diferente da formação da igreja católica tradicional que a gente conhece”, comenta Giovana, que acredita que a não obrigatoriedade da formalidade religiosa colabora para o aumento da juventude cristã.
Há jovens que encontram na igreja uma forma de apoio, de inserção e pertencimento social. Grupos de jovens podem ser encontrados na grande maioria das igrejas evangélicas e cada vez mais os pastores buscam adaptar suas falas de maneira que facilite a compreensão dos jovens e, ainda melhor, proporcionem uma identificação. Comunidades de apoio são formadas, promovendo um local de socialização no qual pode-se construir relações e vínculos, o que torna a vida religiosa ainda mais prazerosa. Ao pensar em sua experiência pessoal, Giovana diz: “A gente foca muito nisso de relacionamento com Deus e com o próximo também. É para que a gente realmente se apoie um no outro, tendo Cristo como a base fundamental, mas que acaba sendo uma caminhada muito mais leve, porque a gente tem a companhia de pessoas que estão vindo com a gente”.

A doutrina evangélica é menos ritualística e mais experimental, valorizando a ligação com o divino, os testemunhos e o espiritual. A juventude cristã agora está atraído por uma nova sensação, a de experimentar algo que parece ser “verdadeiro”.
A chamada Teologia da Prosperidade, doutrina neopentecostal que prega que a abundância material é meritocrática, isso é, diante do pagamento dos dízimos e cumprimento dos demais protocolos a recompensa próspera seria terrena. Isso pode impulsionar pessoas, principalmente a juventude, que sempre estão conectados e sob pressão por resultados, a encontrar a fé cristã de um jeito mais lógico. Esses jovens buscam um “paraíso” tanto espiritual quanto material ainda em vida.
“Eu hoje não vivo por uma motivação, mas sim mediante a um propósito”, cita Davi Martins Baio, 22, light designer da igreja Lagoinha Alphaville, contrapondo-se à ideia de precisar de um impulso externo para continuar seguindo os princípios da sua fé.
O conservadorismo e neoconservadorismo
“Há uma juventude cristã, especialmente conservadora, que se identifica com lideranças políticas da mesma orientação ideológica. O maior expoente atual desse grupo é o deputado federal Nikolas Ferreira (PL), amplamente seguido por jovens evangélicos. A interseção entre religião e política tem crescido — e os discursos de guerra cultural, identidade cristã e anticomunismo são catalisadores potentes nesse processo”
afirma o colunista Ranieri, do UOL.
Esse pensamento valoriza a continuidade de tradições e instituições sociais. Mas é importante notar que não é uma ideia fixa; pelo contrário, se adapta à sociedade atual.
Assim, percebemos que o conservadorismo e a religião estão intimamente ligados desde o início, pois defendem costumes e convenções semelhantes.
A eclosão do neoconservadorismo vem da época da redemocratização do País, após a ditadura civil-militar, quando o Brasil se apresentava instável e cheio de dívidas deixadas pelo governo dos militares. Desde essa época, a luta por direitos sociais virou coisa de “comunista” ou “socialista”, reforçando apenas ideais conservadores, com a justificativa de ser da “família tradicional brasileira” ou ser um “cidadão de bem”. “Os evangélicos sempre foram majoritariamente conservadores – isso vale para jovens e adultos. É uma herança que vem, inclusive, da tradição católica. Mas, como em qualquer grupo, há vozes dissonantes: juventude e adultos que questionam o fundamentalismo da fé cristã, que percebem as contradições entre o discurso e a vida, que se dedicam a um estudo mais profundo do texto e que são frequentemente taxados de rebeldes ou hereges”, diz Ranieri. “Nem todo evangélico é conservador, mas todo conservador, mesmo o que se diz ateu, tende a operar com categorias morais oriundas da lógica cristã fundamentalista.”
Foi com esse discurso que Jair Bolsonaro, um candidato da direita conservadora brasileira, chegou ao poder em 2019 e apesar de ter cumprido apenas um mandato, foi o suficiente para contribuir com a crescente do conservadorismo evangélico. Slogans como “Deus, pátria e família”, que além de ter uma origem autoritária, explicita muito bem como essa nova tendência evangélica permeia a política brasileira.
Voto de cajado evangélico
Se na antiga República, existia o voto de cabresto, em que os coronéis obrigavam uma comunidade que trabalhava para eles a votarem no candidato dele, hoje se tornou o “voto de cajado”. É ele que fez a bancada evangélica atingir hoje 228 parlamentares. Os candidatos apoiados pela igreja pentecostal ou neopentecostal utilizam dela e mais precisamente dos cultos para poder propagar sua candidatura. Mesmo sendo crime eleitoral, aproveitam-se de um momento de conexão divina para poder conquistar o voto dos fiéis. A ideia é mostrar que ambos têm os mesmos ideais.
Quanto maior a igreja, mais candidatos eles costumam “ter”. Este é um dos motivos para o crescimento constante da bancada evangélica. Porém, esses mesmos parlamentares que se elegem com ajuda dos evangélicos não têm o mesmo interesse, depois que se consolidam no cargo, em continuar lutando por propostas ou leis relacionadas a religião que os ajudou a subirem no poder. “O ativismo, infelizmente, também virou uma estética. E isso tem um custo psicológico e comunitário altíssimo”, diz Ranieri Costa.
Qual é o futuro da juventude cristã conservadora?


“Não é a juventude cristã conservadora que está crescendo, é a religião evangélica que cresce e esta tem em sua gênese um DNA conservador”, destaca o jornalista Ranieri.
É inegável dizer que a onda cristã na juventude é realmente promissora. Os assentos em cultos evangélicos estão lotados, enquanto a Igreja Católica parece grande diante dos fiéis que comporta. “Conforme passei a frequentar, eu vi que não é necessária tanta religiosidade, é realmente um lugar para que a gente se sinta bem, por isso minha igreja tem tantos jovens. É um ambiente que a gente pode se comportar na juventude também, nós não precisamos nos comportar como adultos só porque é um ambiente religioso. É um movimento muito jovem também”, diz a jovem cristã e escritora Giovana Verotti.
Ao ser questionada a respeito da aproximação entre a fé evangélica ao conservadorismo político, Giovana afirma “Acho que sim…Muitos dos ideais de esquerda não convergem com a nossa fé, como por exemplo o comunismo, que prega o ateísmo, e por mais que a direita não seja cristã nós acreditamos que podemos seguir o que acreditamos”, também acrescenta, “para atrair popularidade, a esquerda apoia, por exemplo, a homossexualidade, o aborto, e muitos movimentos extremistas como o “femismo”…Que para nossa fé, que é mais conservadora como a direita, acaba convergindo mais por seguirmos aquilo que está de fato escrito na bíblia e não no que sociedade tem imposto…Que muitas vezes nos afasta de Deus”.
A jovem também cogitou a possibilidade de alguns políticos não crerem verdadeiramente na fé cristã, mas aproveitarem a crescente onda do movimento com intuito de angariar público e fama.
“De maneira geral, acho que muitas pessoas procuram a igreja pelo que ela tem a proporcionar, que é o que eu vejo nas neopentecostais”, afirma Giovana. Para ela, as igrejas mais tradicionais tendem a continuar com os mesmos costumes, diferentemente das neopentecostais. “Os princípios das neopentecostais tem se distanciado tanto da tradição cristã que talvez possa haver uma ruptura entre essas duas vertentes.”
Nota-se que aos olhos de religiosos mais conservadores a “falta de regras” pode levar a um futuro rompimento da igreja em duas vertentes que, apesar de seguirem um mesmo dogma, não preservam as mesmas tradições e costumes. “Os jovens precisam entender essa intensidade que existe dentro deles e utilizá-la de forma correta e bem direcionada”, cita o pastor Paulo Henrique Rodrigues.
Segundo a Folha de S.Paulo, a população que se considera evangélica será maior do que a católica em 2032, uma nova realidade que afetará da política à cultura. O Brasil, que já foi a maior nação católica do mundo, estará pronto para ser majoritariamente evangélico?