sexta-feira

13-junho-2025 Ano 1

Entre a privação da cidadania e o veredito final: Os isentões

Entenda como os políticos da vez e o cenário atual semeiam no povo o desprendimento da cidadania e da civilidade. Conheça os isentões, seus perfis, como se comportam na hora do voto e seus argumentos diante de um país polarizado.

Por Cauã de Oliveira, Julia Abellan, Marco Antonio Campos, Matheus Ribeiro, Felipe Berg e Enrico Bianco

Em um cenário político cada vez mais polarizado, emergem eleitores (e não eleitores) que se consideram “isentões”. Mais do que simples indecisos, eles se definem como críticos de ambos os lados, desconfiando da direita e da esquerda. Buscam alternativas fora de uma escolha direta. Esse comportamento, que já vinha ganhando força nos últimos anos, é um cenário consolidado em 2025: 35% dos brasileiros dizem se identificar com uma terceira via, superando tanto os eleitores de Bolsonaro (30,7%) quanto os de Lula (29,4%), de acordo com pesquisa recente da CNT/MDA

Direita, Bolsonaro, politica.
São Paulo SP. Manifestação política a favor da direita. Avenida Paulista. – Foto: Roberto Parizotti/Acervo pessoal

Em 2018, a abstenção no primeiro turno das eleições majoritárias alcançou 20,3%. Quatro anos depois, o Brasil registrava a maior taxa de ausência no primeiro turno desde 1998, com 20,89% , e 12,41% dos eleitores declararam não apoiar nenhum dos dois principais presidenciáveis. Esses dados apontam para um crescimento do distanciamento entre a política e os cidadãos.

O perfil dos isentões podem ser compreendidos, em parte, como resultado de uma formação política limitada. Isso contribui para o desinteresse pela participação ativa e para a desconfiança em relação ao sistema político. Diante das tensões do debate público, os isentões tendem a abraçar uma postura de neutralidade, o que impacta na representação e participação democrática.

Os diferentes perfis

Mas não existe um só tipo de isentão. Para Afonso Marangoni, jornalista político e repórter da TV Gazeta, esses indivíduos têm diferentes formas de pensar. Existe, por exemplo, a figura do desinteressado. Esse grupo é composto pela parcela da população que não se interessa sobre o assunto, recorte responsável pela crescente porcentagem de abstenção nas eleições anteriores, e que pela falta de educação política preferem se isolar do debate. Normalmente, carregam consigo o discurso de neutralidade, mecanismo que serve como defesa contra a polarização, ou como figura “anti-personalismo”, utilizando desta narrativa para fugirem de potenciais discussões causadas pelo tema. Marangoni afirma que esta fração da população é capaz de alterar ou decidir o rumo do resultado eleitoral, como foi observado em 2022 com a diferença irrisória de 0,9% entre os candidatos Lula e Bolsonaro. 

Marangoni cita o segundo tipo de isentão: é o idealista político, aquele que por ser um grande entusiasta, amante e apaixonado pela política, afirma não se enxergar sendo representado por nenhum candidato. Leonardo Barreto, cientista político e especialista em comportamento eleitoral, completa dizendo que o indivíduo não reconhece as estruturas existentes no sistema e decide simplesmente se isolar.

“Quem não se sente representado por nenhum político é o chamado ‘extremo idealista’ pela teoria de Maquiavel. Eles sentem que nenhum político cumprirá tudo que foi prometido, algo que é impossível, mas, que para essas pessoas é inconcebível. Todos são iguais”, acrescenta Robson Carvalho, pesquisador e cientista político. Por meio dessa teoria, esse tipo de pensamento é fruto de uma esperança utópica de eleger um “salvador da pátria”, que por não ter suas expectativas – muitas vezes irreais – supridas, acaba por se decepcionar com esse cenário e sucumbir à isenção.

O terceiro tipo de isento eleitoral é o eleitor de direita envergonhado. Graças a criação e popularização de estereótipos desse eleitorado, muitos votantes em potencial, ou seja, concordantes com os ideais conservadores, preferem se afastar dessa discussão por não concordarem com a estética e a postura bolsonarista. Também buscam uma terceira via, como foi o caso da crescente popularidade da candidata Simone Tebet nas últimas eleições e na apuração do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022. Isso comprova mais uma vez a relação determinante entre a isenção e o personalismo, já que exibe a confusão do eleitorado entre a figura representante de um ideal e o próprio ideal, como numa fusão indevida.

Leonardo Barreto cita o fenômeno “swing vote”, ou voto pendular, em acréscimo à ideia de que existem diferentes tipos de isentos na política brasileira. O cientista político relaciona o sistema de votação estadunidense ao comportamento eleitoral brasileiro ao explicar que lá os Estados que definem o resultado eleitoral são aqueles que elegem seus representantes de forma imprevisível, por não seguirem nenhuma ideologia política. No Brasil, os “swings voters” seriam aqueles que não seguem a rigor nenhuma ideologia, mas o que lhes apetece no momento decisivo das eleições. É nesse contexto que Afonso Marangoni adiciona a ideia de que a população está preocupada com tocar a própria vida. Só vai se preocupar com o processo eleitoral já em sua reta final, em um ciclo no qual se escolhe então um representante e volta a ser a posição de alienação, no compasso da vida cotidiana.

Direita, política, manifestação, Brasil
São Paulo SP: Silas Malafaia, Jair Bolsonaro e governadores durante manifestação pela Anistia na Avenida Paulista – Foto: RS/via Fotos Publicas

O ‘não posicionamento’ e as identificações

“Isso significa que não concordo nem com direita nem com esquerda. Então, sempre tento analisar os dois lados porque eu não gosto de me envolver, por isso a minha escolha é o equilíbrio, sou uma pessoa neutra”, diz Bruna Tomazini, autodeclarada isenta ao ser questionada a respeito dos motivos para a sua ideologia. Bruna, de 17 anos e estudante do ensino médio , afirma que sua decisão de se abster é uma forma de defesa, convicção ou estratégia: “Para mim, vai mais pro lado da convicção, já que as pessoas estão se posicionando muito impulsivamente e não estão pensando”. Um motivo relativamente diferente dos apresentados por Lucas Sottovia, 18, estudante de economia, que se posiciona a favor de sua neutralidade levantando o ponto de que é complicado se afiliar 100% a esquerda ou direita, reconhecendo coisas que se identifica em ambos os lados. “Eu vou ter a clareza de avaliar ambos os lados de uma forma diferente. mas também vejo a neutralidade como uma fuga de alguém que quer se abster desse assunto.”

Observa-se ainda a identificação desses eleitores com mais de um perfil, mostrando mais uma vez a volatilidade do isento político. “A política interfere a vida de todo mundo, então acredito que fugir não é a resposta certa”, disse Lucas.

Entre as diferentes camadas do que é se considerar isento à ciência política, as motivações para a identificação com esse espectro é objeto de estudo. De acordo com Afonso, a relação entre a crescente isenção política e a polarização não é necessariamente proporcional. Ele justifica um aumento dessa taxa muito mais atribuído a fatores como o sentimento de falta de representação e identificação com os representantes do governo, à criminalização desse cenário por parte da mídia e o descredito ou desesperança em uma melhoria. Assim, entende-se como requisito básico para intitular-se um isento, estar alinhado ao menos a um desses motivos.

Isentão X Centrão

Os isentões também enfrentam uma confusão quando são identificados como membros do chamado Centrão. Engana-se quem pensa que o Centrão é a união das ideologias de esquerda e direita, como numa utopia onde a polarização é dissolvida e ambas as partes conversam em comum acordo. Além dessa interpretação utópica, imagina-se também que esse espectro da política é na verdade a isenção da esquerda e direita, posicionando-se de maneira equidistante entre elas – e é nessa leitura errônea que os isentões são confundidos.

Na prática, é um espaço composto por membros suprapartidários – ou seja, de ambos os lados – que em primeira mão, cumpriam a função de representar o poder do povo no plenário. Mas hoje defendem interesses de públicos específicos, como é o caso da ‘bancada do boi’ e ‘bancada da bala’, por exemplo. Movem-se por quem vai oferecer mais recursos para a sua sobrevivência política.

Por que se isentar?

Para além do descompromisso com a cidadania, não é possível condenar esse personagem do eleitorado alegando falta de motivações para se ausentar do debate político. Para aqueles que fogem de conversas que passem pela palavra ‘presidente’ ou se isolam na época das eleições e se eximem de qualquer responsabilidade, a cadeira de isentão é confortável e é ainda agraciada pela câmara de eco que a acompanha, o que reverbera no desinteresse pela administração pública (e também na República, que é a coisa pública).

Marangoni fala sobre a necessidade iminente da educação para a cidadania, seu impacto na melhora da qualidade do voto, mas também do aparente desinteresse dos políticos na maior conscientização do eleitorado.  Além disso, alerta sobre o “risco” de acabar provocando o apetite do povo pela participação ativa no panorama governamental, ou mesmo em movimentos sociais, e de novo, a despretensão dos oficiais públicos nesses novos ingressantes, ou “concorrentes”.

Observa-se um ciclo atribuído aos chamados ‘políticos midiáticos’, que utilizam das redes sociais para formar um clube de fãs ‘cativos’, que para além de seguidores, serão também seus eleitores. Sobre essa estratégia, o repórter político de Brasília afirma: “Não vejo um esforço por parte dos políticos em fazer as pessoas se interessarem por política, uma vez que a bolha de espectadores se retroalimenta, e se converte em eleitorado automaticamente”.

Para além de todas as motivações que contribuem para o avanço desse movimento, é possível identificar um outro fator impulsionador: o crescimento de uma estratégia sutil de expansionismo do autoritarismo político, que apela para o questionamento da legitimidade de estruturas de poder, buscando fomentar discordâncias, debates ou mesmo organizações que ameaçam a integridade dessas estruturas. É nessa hora que se coloca em dúvida teses sobre o comprometimento do processo eleitoral, que acabam afetando eleitores que concedem o benefício da dúvida a essas teorias.

Os ‘nãos’ para a isenção

A maior vítima de tudo que permeia os “isentões” e seus atos por finalidade é o sistema democrático de governo. Robson Carvalho afirma que a isenção política, independente do motivo que a cause, se mostra uma ameaça ao sistema democrático, abrindo espaço para que discursos populistas ganhem força socialmente. Cria-se um conjunto de pessoas que não se compadecem com nada, os chamados apolíticos. Para ele, a participação política é mais do que um direito, mas um dever, com fins de que haja uma fiscalização da população tanto sobre as tomadas de decisão do candidato em questão, quanto para que a democracia siga se perpetuando em nossa sociedade.

Ao viver numa ignorância sobre os assuntos políticos, os isentões favorecem a proliferação de discursos autoritários e ditatoriais de governo. Os isentões, em maioria, não consegue se sustentar na prática, sempre escolhendo um lado, mesmo que de forma contrariada. O jornalista Marangoni afirma que há assuntos onde não se pode existir uma isenção: “Não é possível ser isento entre ditadura e democracia, negacionismo e ciência… esse distanciamento político gera um obscurantismo”.

Manifestação, esquerda, Brasil, democracia
Brasília, Cinelândia 8/01/2023: Manifestação em defesa da democracia, marca um ano dos atos golpistas e a invasão dos prédios dos Três Poderes – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

UTILIZAÇÃO DE IA

Uso Significativo de IA

Este conteúdo foi produzido com o auxílio significativo de ferramentas de Inteligência Artificial: IA utilizada para gerar a primeira versão do texto, na revisão textual, na checagem.

IAs Utilizadas: ChatGPT

Julia Abellan

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *