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14-junho-2025 Ano 1

O imediatismo no consumo de mídias: a lógica do tudo agora 

Como o vício em telas e o consumo excessivo de mídias na sociedade contemporânea faz com que, para as gerações mais novas, esperar se torne insuportável e angustiante.

Por Bárbara Mori, Beatriz Souza, Giovanna Barros, Isabela Tonello, Julia Carolina, Mirella Bosso

Na atualidade, é muito comum se deparar com jovens, crianças e adolescentes utilizando as redes sociais de forma exagerada e, como consequência, sofrendo com o imediatismo. Esse uso excessivo é extremamente prejudicial para o comportamento das novas gerações. Doenças mentais, como ansiedade e depressão, podem ser problemas causados pelo cenário do uso impróprio das telas, bem como a busca de resultados rápidos e imediatos no consumo de mídias.

Isso se torna evidente quando as pessoas percebem que não conseguem fazer coisas simples, como manter uma conversa devido à aceleração que a internet causa. A criadora de conteúdo Ana de Cesaro relata que “essa coisa de ouvir áudio em duas vezes também é absurda. Nosso fluxo de conversa não é assim, eu percebi que não queria mais conversar com ninguém porque as conversas demoravam muito”. 

“As telas proporcionam essa gratificação imediata. Então, hoje eu não consigo mais esperar, não consigo mais aguardar, não consigo ficar em fila”, acrescenta o psicólogo Jonatas Barbosa. 

A dopamina e o apelo viciante das telas

Nos dias de hoje, é possível notar a velocidade com que se consome mídias, entretenimento e informações.  Com o avanço da tecnologia e a popularização da internet, o imediatismo nesse consumo se tornou uma característica marcante do comportamento das sociedades contemporâneas, e esse fator pode gerar consequências psicológicas em grupos diversos, de crianças até idosos.   

O psicólogo Jonatas Barbosa explica como esses hábitos de consumo em excesso podem ser prejudiciais à saúde mental, principalmente dos jovens, desenvolvendo ou agravando sintomas de ansiedade, depressão, TDAH e problemas de autocontrole no cotidiano. “Não que seja uma vilã, mas a tela em si tem um aspecto: o excesso delas e como você as utiliza fazem com que exista esse aumento”, disse o especialista.  

Jonatas relata perceber essas dificuldades de autocontrole durante seus atendimentos com jovens. Quando um paciente chega mais cedo que o horário marcado, esperar cinco minutos gera um sentimento de angústia, sofrimento e frustração, além do fato de que não é convencional o uso de aparelhos tecnológicos durante as consultas. E então, fica em evidência a dependência desenvolvida pelo imediatismo e o seu impacto na funcionalidade cotidiana dos jovens.  

Esses agravantes não ocorrem somente pelo uso do celular, mas pelo excesso no consumo de conteúdos. “A outra questão é a rapidez que as mídias sociais imprimiram em nossas vidas: vídeos rápidos, excesso de informação, muito estímulo, o que na ‘vida normal’ (digo, fora das mídias) tanto o ritmo como a quantidade de estímulos são muito menores”, explica a psicóloga Paula Venancio. A sociedade tem aderido a essas práticas sem perceber as consequências.  

O córtex pré-frontal é uma área localizada no cérebro que termina de se desenvolver ao final dos 20 anos de um ser humano. É a região do cérebro responsável pelas funções executivas, como autocontrole, planejamento, tomada de decisões, inibição de impulsos e regulação emocional. O uso excessivo de telas está causando um prejuízo no desenvolvimento dessa região, visto que essa prática presente no cotidiano de jovens impacta essa parte do cérebro completamente desenvolvida.  

 “A tela tem uma questão dopaminérgica muito grande”, cita o psicólogo Jonatas.  As telas proporcionam a gratificação e prazer imediatos e fáceis, a liberação de dopamina. E então, simples atos durante o cotidiano são prejudicados e causam angústia, como ficar em uma fila no supermercado, por exemplo. 

O cérebro precisa de um equilíbrio, a homeostase. A dopamina é liberada e logo em seguida ela cai, provocando a tristeza, induzindo o consumidor das telas a querer e buscar mais as sensações do pico da dopamina. Como produto final, cria-se a dependência. “E aí a gente está em dois extremos. Um prazer imediato e, logo, uma tristeza. Um sintoma ali. Então, como eu estou triste, eu tenho que fazer o quê? Eu tenho que consumir mais”, relatou o especialista.

A dependência tecnológica e a ansiedade social

Livros e cadernos abertos em uma mesa, têm lápis e canetas espalhados por cima deles. uma mão segura um celular em que o aplicativo Tik Tok está aberto.
O impacto das mídias na produtividade – Foto: Beatriz Souza / Agenzia 

A sociedade contemporânea vive na era da hiperconectividade — conceito criado pelos sociólogos canadenses Anabel Quan-Haase e Barry Wellman — onde todo o tipo de comunicação que pode ser feita através das redes, assim será; é uma característica de uma sociedade 100% online e imediatista, onde a maioria das coisas pode ser resolvida com apenas alguns cliques. Essa nova maneira de viver o mundo faz com que as pessoas sejam bombardeadas por novas informações e conteúdos, e faz com que a nossa vida gire em torno das redes. Chega um momento em que o único contato com o mundo real passa a ser através da internet — é quase um paradoxo. 

Criadora de conteúdo desde 2010, a gaúcha Ana de Cesaro se viu alvo de linchamento virtual e perseguição política no período eleitoral de 2018: “As pessoas criticavam meu corpo, minha voz, minha fala, minhas lágrimas e tudo que eu fazia… aí eu passei a ter pânico de fazer tudo, de sair na rua, de falar com pessoas”. Ana então percebeu que o mais certo que poderia fazer era tirar um tempo para se cuidar, e, então, depois de quase uma década trabalhando com a internet, decide embarcar em uma jornada — que durou quase 7 anos — onde ela se afastou das redes sociais, começou um acompanhamento psicoterapêutico e foi em busca de novos hobbies. “Confesso que foi nessa Páscoa de 2025 que consegui me sentir de fato curada desse período ruim. Ainda há muito a trabalhar, mas agora tenho as ferramentas para me fortalecer diante do que a internet se tornou”, conclui a criadora de conteúdo.  

Segundo o psicólogo Jonatas Barbosa, os adolescentes são o grupo mais vulnerável diante dessa sociedade altamente conectada e afetada pelo imediatismo — ele frisa a importância de um bom relacionamento no ambiente estudantil e dentro de casa para que eles não se prejudiquem ainda mais. Barbosa também comenta sobre o impacto da dependência tecnológica na vida dos jovens: “Gera um impacto na funcionalidade do indivíduo. Começa a gerar angústia e ansiedade, e aí as notas decaem, ou o desempenho no trabalho diminui”.  

O psicólogo continua dizendo que o uso impróprio de telas também gera efeitos na socialização, onde ele afirma que, em momentos de angústia “eles acabam deslizando sempre o dedo para evitar esse contato com as outras pessoas, mas isso vira um ciclo viciante; eles ficam isolados no celular”. Uma forma de lidar com essa situação, aconselha a psicóloga Paula Venâncio, é “auxiliando na proteção de excessos”, ou seja, os pais e a escola precisam estimular atividades e experiências sem o uso da tecnologia. 

O conflito com a realidade de gerações anteriores

Cada geração é impactada de diferentes formas pelas mudanças no mundo da tecnologia: os Millenials e a GenZ estão mais acostumados ao rápido fluxo de informações, já que cresceram em um ambiente digital. As populações mais velhas não têm essa mesma adaptabilidade, e acabam por vezes perdidos quando o assunto é a Internet. Apesar do conflito geracional, a tecnologia tem mostrado diferentes formatos e tipos de conteúdo que se encaixam nas demandas de cada grupo. A jornalista especialista em mídias digitais da empresa Stellantis, Ana Brant, enxerga “uma interação dinâmica e uma mútua influência entre as diferentes gerações e as diferentes mídias e plataformas”. 

No hiato de 7 anos que Ana de Cesaro ficou desconectada, ocorreram grandes mudanças não só no panorama geral das redes, mas também nas trends e na forma como o público consome mídia. Isso impactou no seu retorno e na forma como ela enxerga o mundo tecnológico. Apesar das grandes e evidentes mudanças, ela acredita estar preparada para os novos desafios e obstáculos midiáticos da contemporaneidade nas redes: “Ainda há muito a trabalhar, mas agora tenho as ferramentas para me fortalecer diante do que a internet se tornou”, relata a criadora de conteúdo. 

Mesmo que as tecnologias busquem novas formas de criação e exploração de materiais midiáticos, muitas vezes as gerações têm suas práticas moldadas e alteradas pelo imediatismo nas redes. “As mídias refletem os desejos humanos e as pessoas tentam se ‘adaptar’ a um determinado modo de vida baseado nesses desejos, porém muitas vezes não são reais”, diz a psicóloga Paula Venancio. A aceleração na disseminação de informações e a idealização de estilos de vida contribuem para o desdobramento de distúrbios mentais, como ansiedade, depressão e burnouts

A rapidez dos conteúdos em outros meios, como desenhos infantis, traz outros tipos de problemas para os pequeninos. Programas chamados “animações de alto estímulo”, com muitas cores, musicalidade e cortes rápidos entre as cenas são usados como “chupeta digital”, mas os pais talvez desconheçam que eles causam atraso no desenvolvimento mental das crianças. Exemplos como o canal americano Cocomelon chegam a hipnotizar os bebês, prejudicando sua capacidade de atenção e vivências no cotidiano.  

O impacto é maior do que parece, e o imediatismo consome as pessoas cada vez mais cedo. Em um relato, o psicólogo Jonatas Barbosa chama a atenção para o fato de que as gerações mais recentes possuem “hábitos mais relacionados à dificuldade de autocontrole; então, as respostas tecnológicas são muito mais rápidas, muito mais fáceis”. Lidar com a espera, a demora e a paciência ficam gradualmente mais difícil.

Menina de costas segura um celular com o aplicativo YouTube aberto, exemplificando o imediatismo no consumo de mídias.
Isolamento social causado pelas mídias – Foto: Mirella Bosso / Agenzia 

Algoritmo: o grande vilão?

Muito se fala a respeito dos chamados “algoritmos”, o sistema automatizado responsável pela entrega de conteúdos que se relacionam às pesquisas costumeiras dos usuários da internet.  Pode-se dizer que esse sistema possui grande influência na causa do vício nas telas e redes sociais, sendo responsável por entregar o tipo exato de conteúdo que vai fisgar a atenção do leitor.  

A especialista em mídias digitais Ana Brant afirmou que a funcionalidade de providenciar maior assertividade na entrega dos conteúdos desempenhada pelos algoritmos provoca uma certa padronização de temáticas e influencia o consumo, os pensamentos e os comportamentos dos consumidores das mídias online. Ela cita também a ansiedade que essa situação gera nos usuários das telas.  

Essa ansiedade, em adição ao imediatismo, se explica pela lógica de recompensas psicológicas. O fenômeno ocorre em um ciclo infinito em que, quanto mais tempo o usuário passa imerso nas telas, mais conteúdos de seu agrado irá receber. Em pouco tempo, esse mecanismo o impossibilitará de se afastar dos dispositivos.  

Um dos principais exemplos do funcionamento do sistema algorítmico é o aplicativo Pinterest. Essa rede social oferece conteúdos em formato de fotos, os chamados “Pins”, funcionando como uma ferramenta de pesquisas. O aplicativo permite que o usuário crie pastas e salve os posts. A partir dessa ação, o algoritmo determina a relevância das mídias para aquele usuário e entrega outros conteúdos relacionados. Em resumo, o aplicativo é treinado com o método do “machine learning”, de forma que faz uso dos conteúdos visualizados anteriormente pelos usuários para prever o que deve ser de seu interesse.  

Ainda se fala sobre a quão assustadora pode ser a ação dos algoritmos, já que, do ponto de vista de alguns, o sistema “adivinha” exatamente um produto que o usuário tinha a intenção de comprar e entrega um anúncio dele, ou até mesmo conteúdos que planejava procurar. Há quem diga, inclusive, que os dispositivos tecnológicos “escutam” ou “armazenam” o que se fala em voz alta. Na verdade, essa ideia da audição tecnológica é um mito. O que ocorre, de fato, é uma personalização e padronização dos conteúdos com base em dados coletados e processados. Tais dados consistem no histórico de navegação, pesquisa e interações online. Acontece que essa personalização ocorre de maneira tão minuciosa e precisa – graças ao treinamento de machine learning – que pode levar usuários a crerem que suas máquinas escutam suas conversas, ou até mesmo que “leem seus pensamentos”.

O equilíbrio entre presença e consumo 

A era digital vem transformando diariamente a forma como as pessoas vivem, recebem informações e se relacionam com o mundo. O que, de certa maneira, demonstra como essa “revolução tecnológica” traz efeitos colaterais profundos. O consumo acelerado das mídias sociais e a lógica da gratificação imediata, são grandes aliados desse processo. Ou seja, ao se ter um imediatismo impulsionado pelas telas, mantido por algoritmos que mostram exatamente o que o indivíduo quer, se tem uma transformação no modo de receber determinadas coisas. Isso faz com que crianças, adolescentes e adultos sejam afetados em sua saúde mental, autocontrole e capacidade de lidar com a espera. Já na questão do prazer adquirido de forma rápida – obtido através da dopamina liberada – faz com que haja para essas pessoas, uma busca incessante por estímulos.  

Em um artigo sobre imediatismo nas tecnologias digitais, a professora da USP Tereza Cristina Carvalho comenta: “A revisão dos nossos hábitos passa também pela própria necessidade do ser humano de estar consigo mesmo”. Mesmo que o digital não seja o real vilão, o seu uso de modo indevido, pode causar danos. A dependência tecnológica e a dificuldade em realizar tarefas simples do cotidiano, revelam uma nova realidade na qual os pais, responsáveis, educadores e a própria sociedade precisam estar mais atentos e conscientizados, para promover um modo de vida mais saudável, para seus filhos, e até mesmo para si. 

Em uma realidade em que as coisas acontecem todas ao mesmo tempo e agora, o maior ato de resistência talvez seja exatamente reaprender a esperar.  

“Eu acho que a gente precisa repensar o quanto antes o que significa viver” Ana de Cesaro, em seu relato postado na plataforma TikTok. 

UTILIZAÇÃO DE IA

Autoria humana exclusiva

Este conteúdo é integralmente de autoria humana, sem uso de Inteligência Artificial em nenhuma etapa da produção.

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Por Bárbara Mori, Beatriz Lima, Giovanna Barros, Isabela Tonello, Julia Carolina, Mirella Bosso.

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