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6-junho-2025 Ano 1

Quando o mérito não vira manchete: Desafios na formação de ídolos nacionais  

Por Caíque Prall, Fernando Neopmann, João Mazzei, Luca Vulcano, Luis Chambrone, Roberto de Almeida ídolos

O Brasil é uma nação apaixonada por esporte, mas por que são tão poucos os atletas que alcançam o status de lenda? Não faltam ídolos com medalhas e histórias, das quadras às pistas, dos tatames às piscinas.  

No futebol, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, a rainha Marta e Ronaldo fenômeno. Nas águas, Cesar Cielo e nas quadras, Oscar Schimidt. Nomes que carregam consigo o verdadeiro peso de um ídolo nacional. A construção da idolatria desses atletas se deve à fatores que vão muito além do talento e esforço.  

A presença na mídia, a atenção familiar e o controle de polêmicas são pilares para a formação de uma boa imagem no Brasil, mas a palavra-chave é o equilíbrio. Segundo o dicionário Michaelis da língua portuguesa, Pelé ganha o valor de adjetivo, com significado de “aquele que é fora do comum, excepcional, incomparável e único”, o que revela o estado inalcançável de se tornar “o rei do futebol”. Mas, ainda que a mídia esportiva se desenvolva, por que vemos cada vez menos ídolos surgindo? Isso porque o avanço de cobertura esportiva é, muitas vezes, desigual. 

O tênis e seus heróis invisíveis 

Atletas brasileiros com grandes feitos acabam sendo esquecidos ou apagados ao longo dos anos. É claro que existem esportistas eternizados na história, como Giba, Ayrton Senna ou Gustavo Kuerten, o Guga. Mas o Brasil, diferente de outras nações, tem dificuldade de reconhecer (e valorizar) muitos esportes. A mídia, que poderia ajudar, não é capaz de influenciar a opinião pública da importância desses feitos. E, de maneira agravante a isso, há pouco investimento para pensar na carreira dos atletas. Após certa idade, eles passam a ser “muito mais caros”.  

“A mídia tem um papel na falta de reconhecimento. O futebol ocupa cerca de 90% de toda a palavra publicitária e fiscal, e pode tirar a palavra de outros esportes. Não desmerecendo o esporte, mas poderia ocorrer uma divisão maior para que se desenvolvessem mais modalidades”, diz o ex-atleta de tênis Frederico Casaro. Coordenador do Centro Paulista de Tênis, uma academia esportiva focada no desenvolvimento da modalidade, ele conversou com a Agenzia para ajudar a explicar por que é tão difícil formar, manter e eternizar ídolos no Brasil.  

Casaro pode falar com conhecimento de causa. Ele quase chegou lá. São raros os que podem dizer que venceram uma partida contra Djokovic. Foi em 2004, numa disputa de duplas, no ATP World Tour. Ele comenta sobre a dificuldade de sua trajetória no esporte, resultado de uma mistura de fatores, os quais incluem o envolvimento da mídia, patrocinadores, cultura e outros obstáculos existentes no mundo do tênis. Na mesma linha, enfatiza como os veículos de imprensa atuam no desenvolvimento dos atletas esportivos, e em relação à mídia com diferentes esportes, como o futebol.  

O ex-tenista revela a dificuldade que um atleta enfrenta para se manter no cenário esportivo, já que garantir um patrocínio depois de atingir a maioridade, se torna muito mais complexo, realidade essa que é vivida por tenistas mirins. “Desde os anos (19)90, conseguir patrocínio no Brasil é um milagre, é um sacrifício muito grande. Consigo nomear todos os patrocinadores que me apoiaram, além de amigos e família. No Brasil é muito difícil, mas esses apoios me fizeram jogar pelo menos até os 26 anos. O meio profissional é muito difícil”, comenta Frederico. “Até os 18 anos tive bastante apoio de patrocínios e federações. O que acontece depois é que complica o tênis nacional. investimento quadruplica. Acabou os 18 anos, você está sozinho.”  

Existem pontos positivos e negativos quanto ao crescimento midiático no esporte, esse que ajuda na formação de novos ídolos nacionais, principalmente na contemporaneidade, depois do surgimento da promessa João Fonseca. “A evolução da mídia é boa, ela tem o papel muito importante na divulgação dos novos atletas que estão vindo nessa geração. O lado positivo é o apoio ao atleta das marcas. O negativo é em relação à desvinculação dos atletas quanto a levar para o pessoal o que a mídia expõe”. 

Frederico Casaro sorri enquanto é entrevistado. Ao fundo, cenário arborizado e uma quadra de beach tênis. Ídolos. Foto: Luis Chambrone/Agenzia (foto autoral)

João Fonseca, aos 18 anos, possui 1 milhão de seguidores em suas redes sociais, mas até 1 década atrás, isso não existia no cenário do tênis brasileiro. O crescimento do esporte no Brasil traz maior relevância dos feitos de atletas, e isso resulta em uma maior quantidade de novos ídolos nacionais no esporte. Não há idolatria sem relevância, e não há relevância sem cobertura. “O Guga teve pouco [prestígio da mídia tradicional], mas o João com certeza [tem e terá]. Ele explodiu no cenário atual, e isso é muito bom para o esporte”, completou Frederico.  

A mídia, como um dos pilares principais na composição da imagem de um atleta no ambiente público, se compacta com outros fatores que exprimem a dificuldade de alcançar esse patamar na atualidade. Sem essa cobertura, se torna mais difícil que o esportista chegue à sociedade da maneira visível. E, se em esportes tradicionais a dificuldade já se demonstra complexa, quando se volta aos Esportes Paralímpicos e Parapan-americanos, ela se torna mais efervescente. 

A realidade do esporte paralímpico 

No Brasil, o tênis de mesa ganhou um súbito destaque, impulsionado por conquistas expressivas de Hugo Calderano. A última foi a Copa do Mundo, torneio que reúne apenas os atletas mais bem colocados no ranking mundial, o que reforça ainda mais o peso da conquista do brasileiro. O atleta Lucas Carvalhal Arabian, medalhista de ouro nos Jogos Parapan-Americanos de Santiago 2023 da modalidade, é um dos muitos mesatenistas brasileiros inspirados em Calderano. 

Diagnosticado com um tumor na medula torácica ainda na infância, Carvalhal, de 18 anos, foi submetido a cirurgias e tratamentos médicos, que resultaram na perda parcial dos movimentos da cintura para baixo. Descoberto na modalidade em 2017, após ser recrutado por técnicos da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa, consolidou-se como uma das referências da modalidade. 

À Agenzia, Carvalhal discorreu sobre sua complexa jornada no esporte. Ele relatou suas experiências pessoais no processo em que foi submetido à cirurgia de correção de sua escoliose, a qual poderia, inclusive, determinar o fim de sua carreira. 

O jovem tenista de mesa entende o processo como complicado, já que estava em ascensão. Lucas ainda completa revelando que era uma cirurgia difícil, que poderia, eventualmente, impedi-lo de atuar. O processo de recuperação foi longo, e mesmo que tenha corrido como esperado, o atleta revela que foi muito difícil ter que parar e ver os outros competindo. 

Além de todas as dificuldades de saúde às quais o atleta foi submetido, a complexidade da concessão de patrocínios na modalidade, aliada à escassez de incentivo financeiro, representa outro agravante inserido em sua realidade. “Infelizmente é muito complicado, ainda mais no esporte paralímpico, que não tem tanta visibilidade. É muito raro uma empresa vir até nós oferecendo patrocínio; geralmente, somos nós que precisamos buscar. Além de treinar e competir, precisamos pensar em formas de nos manter financeiramente para investir na carreira.”  

Duas raquetes empilhadas em cima de uma mesa de tênis de mesa. Ídolos. Foto: João Mazzei/Agenzia (foto autoral)

De acordo com o artigo “Representações sociais de atletas com deficiência sobre o esporte paralímpico no Brasil”, divulgado pelo repositório digital Lume UFRGS, e redigido de Beatriz Dittrich Schmitt e Janice Zarpellon Mazo, “há contradições a respeito do financiamento e do reconhecimento social e esportivo dos atletas com deficiência”. O artigo completa: “Essas representações sociais abarcam questões vinculadas ao profissionalismo ou amadorismo esportivo, a depender das formas de remuneração como bolsas, patrocínios e premiações”. 

A baixa visibilidade do esporte paralímpico configura-se como um obstáculo para a evolução da modalidade. “Hoje, praticamente não existe cobertura para o esporte paralímpico, especialmente no tênis de mesa. Às vezes conseguimos alguma divulgação pela Confederação ou por canais oficiais das Olimpíadas, mas é muito raro ver uma ESPN, Globo ou Sportv noticiando. É triste, muitas vezes, ganhamos várias medalhas em grandes torneios e ninguém fica sabendo.” 

Apesar dos avanços observados, o atleta afirmou que o tênis de mesa, principalmente o paralímpico, ainda se encontra distante do reconhecimento que merece no cenário esportivo brasileiro. “Eu acho que o tênis de mesa ainda não recebe o reconhecimento que merece no Brasil. O Hugo Calderano está conquistando respeito no olímpico, e lembramos a Bruna Alexandre, que é paralímpica, jogando as Olimpíadas. Estamos começando a ganhar mais espaço, mas ainda estamos longe do ideal, especialmente no paralímpico.” 

“Se a história dos atletas chegasse a mais pessoas, certamente teríamos muito mais ídolos no Brasil.”  

O esportista considera o País uma rica fonte de talentos e ídolos, mas analisa que é necessário, além do alcance midiático, uma identificação específica do povo com as suas trajetórias. “O brasileiro valoriza muito o exemplo de humildade e, quando conhece a trajetória de alguém, se identifica. Foi assim com o Ayrton Senna, com o Guga, com o Oscar Schmidt e, agora também, com o Calderano e outros nomes significativos.” 

Conforme aponta um estudo publicado pela revista Prev Med, os níveis socioeconômicos continuam exercendo forte influência sobre a participação de determinados grupos sociais nas atividades esportivas, como é o caso de meninas adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade social.  A inclusão, que se inicia desde as bases escolares, atua como agente direto na permeação de pessoas na inserção ao esporte, o que leva ao interesse dessas ao meio profissional.   

Educação construindo novos ídolos nacionais 

Em pesquisa realizada pelo Ministério do Esporte, em seis universidades federais, 54,7% dos alunos afirmaram terem sido introduzidos à prática de esportes na escola/universidade. O ex-atleta de vôlei no Brasil Nelson Fuschillo, hoje professor de Educação Física, destacou que a formação de atletas de alto nível no Brasil passa, antes de tudo, por uma estrutura sólida de apoio e investimento. Segundo ele, é impossível falar em ídolos nacionais sem considerar a necessidade urgente de democratizar o acesso a recursos esportivos. 

“A gente precisa de investimento, mas de uma melhor distribuição”, explicou o professor. A realidade presenciada em muitas modalidades, como a ginástica masculina, expõe essa desigualdade: enquanto alguns equipamentos estão deteriorados, outros setores recebem investimentos pontuais, sem uma estratégia abrangente. 

O professor também reforçou a ideia de que a construção de novos ídolos nacionais nos esportes está diretamente ligada à educação e à convivência coletiva — aspectos que, segundo ele, ainda precisam evoluir no país: “Parece clichê, mas tudo leva à educação. Uma restrição nacional precisa considerar o esporte, não apenas para buscar talentos, mas para criar condições reais para que eles surjam naturalmente”, afirmou. 

A falta de infraestrutura adequada nas escolas é outro desafio destacado. De acordo com o Censo Escolar de 2017, apenas 32% das escolas públicas no Brasil contam com quadras esportivas – e a maioria delas está concentrada nas unidades que oferecem o Ensino Médio. Apenas 27,3% dos municípios brasileiros possuem escolas com instalações esportivas. 

Em sua experiência prática, Fuschillo ressalta que, na escola onde leciona, só é possível ensinar modalidades como o badminton porque há material de qualidade disponível, o que não é a realidade da maioria das instituições públicas. “Se eu não tenho nenhum equipamento, como vou aproximar o aluno desse esporte?”, pergunta de maneira retórica.  

Além da infraestrutura, o professor destacou a baixa competitividade nacional como um dos desafios que obrigam os jovens promissores a buscar o desenvolvimento no exterior. Exemplos como o do mesatenista Hugo Calderano, que teve que deixar o Brasil para competir e treinar em alto nível, ilustram essa dificuldade. “Onde esses atletas de ponta estão treinando? Em lugares onde a educação e a estrutura esportiva são prioridade”, conclui. 

Para que o Brasil possa, de fato, formar seus ídolos nacionais, o caminho passa pela combinação de investimento, democratização do acesso e fortalecimento da educação. Sem isso, os talentos continuam a emergir isoladamente — e a buscar, longe de casa, o apoio que não encontra aqui devido a uma maior distribuição financeira.  

Como forma de complementar seu pensamento, o professor enfatiza a falta de acesso à competitividade adequada para o desenvolvimento emocional dos atletas e compartilha experiências pessoais como ex-atleta de voleibol masculino. 

“Podemos montar o melhor centro de treinamento, mas talvez não teríamos a competitividade necessária para que o atleta treine a questão emocional, de saber ganhar, perder e conviver com outros”, afirma. Segundo Fuschillo, a ausência de um ambiente esportivo forte faz com que os talentos precisam buscar formação no exterior. “Se pegarmos exemplos recentes, vemos Rayssa Leal, Hugo Calderano, César Cielo e João Fonseca treinando fora do País.” 

O professor ressalta ainda que, mesmo em modalidades com maior investimento, como o futebol, a falta de base educacional reflete no desempenho nacional. “Nossa liga, apesar do dinheiro, ainda é nivelada por baixo, porque falta educação”. 

O Futuro das raquetes 

Alexandre Cossenza, jornalista esportivo especializado em tênis e comentarista do UOL, é reconhecido por suas análises técnicas e contribuições em coberturas detalhadas sobre os principais acontecimentos no cenário do tênis em sua coluna Saque e Voleio. “Estamos em um momento de exceção com João Fonseca, com todos seus feitos, mas ele é resultado de uma família com alto poder aquisitivo, boa estrutura familiar e um grande planejamento”, diz. 

João Fonseca por questões individuais ou coletivas é o atual nome cotado para alcançar algum patamar de idolatria. Cossenza compreende João como o nome do tênis brasileiro. “No tênis é muito difícil de se prever um sucesso, mas se você olhar para o João, ele cumpre todos os requisitos para o sucesso. Ele tem uma cabeça boa, é focado, tem estrutura, investimento, bom técnico.”  

Para Cossenza, ele é hoje o único brasileiro que pode quebrar essa monocultura futebolística das mídias e se tornar um ídolo. 

O colunista que ainda falta muito para que o Brasil se adeque à competitividade mundial. “[Faltam] Adversários de alto nível, estrutura e técnicos de maior qualidade, circuito juvenil nacional mais forte, e um ambiente competitivo.” 

Quanto ao sucesso, o dinheiro ainda é piloto. “Se destaca quem tem dinheiro ou quem consegue dinheiro com empresários ou patrocínios.” Cossenza entende que a confederação faz muito pouco para fortalecer o cenário, e que falta acessibilidade ao esporte. “O público precisa de quadras públicas, conhecer a prática”. 

Outro grande problema do tênis nacional é a falta de estrutura coletiva para apoio aos atletas, como diz Cossenza, faltam centros de treinamentos e academias de ensino, principalmente por parte das federações. “Não há um trabalho com jovens atletas, com bons técnicos e estrutura, como foi feito nos EUA nos últimos anos. O Brasil vive de esforços isolados.” 

A relação entre mídia e o esporte ressalta um ciclo problemático que impõe obstáculos ao esportista brasileiro. “A gente vive num ciclo muito ruim pro esporte amador, quando você cobre menos, os atletas têm menos destaque, e isso gera um menor interesse dos atletas e assim menores chances de se tornar um ídolo.” Isso se dá pela relação da mídia com a monocultura futebolística. 

“O papel dos veículos é não deixar o interesse depois de grandes feitos morrer, para alimentar a idolatria. O veículo deve acompanhar o atleta.” acrescenta Cossenza. 

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Caíque Prall, Fernando Neopmann, João Mazzei, Luca Contesini, Luis Chambrone, Roberto de Almeida.

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