quarta-feira

4-junho-2025 Ano 1

Empreendedorismo jovem: a nova geração que transforma o Brasil

Com auxílio da tecnologia, as atividades empreendedoras crescem no País, combinando diferentes realidades e vivências 

Por: Ana Beatriz Perez, Ana Clara Dias, Isabella Ladalardo, Marcela Monteiro e Maria Fernanda Quitério

O empreendedorismo jovem vai muito além de criar novos negócios. Também pode servir de ferramenta de impacto social para as novas gerações.  Com apenas 16 anos, Ester Santos já havia criado a ONG Chic É Ser Solidário. Aos 25, buscando liberdade financeira e gerar valor social, ela decidiu empreender. Juntando seus conhecimentos com as habilidades de costura da mãe, Ester desenvolveu a ChicVest. 

Baseada nos pilares ESG, a empresa busca a circularidade, o “upcycling”. Mãe e filha fabricam uniformes e, ao fim do uso, os clientes têm a responsabilidade social de devolvê-los para a criação de novos produtos. Assim, prolongam a vida útil desses itens que seriam descartados no meio ambiente.

“A ChicVest é um modelo de negócio de impacto que, por meio do seu produto e serviço, atende demandas tanto da sociedade, quanto também, quando eu penso, das empresas. Para as empresas e para a sociedade”, explica Ester. 

Jovens, quando empreendem, entendem as demandas de uma comunidade impactada pelos diferentes problemas da sociedade e estão dispostos a adotar mudanças que envolvam seu público. Assim, eles vêm ressignificando ideias antigas e simplistas sobre a função social da atividade econômica. Até porque se há mecanismos para combinar o empreender com a resolução de problemas sociais, qual seria a justificativa para continuar deixando essas questões em segundo plano? 

Quais as motivações do empreendedorismo jovem?

Apesar de abarcar diferentes situações, o empreendedorismo jovem parte da comum necessidade de resolver um problema. Isso varia de um incômodo que precisa ser solucionado a uma vontade de tirar do papel o que eles acreditam ser revolucionário. Basta um olhar diferente sobre o banal para surgir algo inovador, desmistificando a ideia de que um empreendedor precisa ser uma pessoa inalcançável.  

Negócios como o projeto Kabelera surgiram da vontade do empreendedor entrar no ramo. Mas, claro, precisar encontrar a chance certa para fazer as coisas acontecerem. O jovem Calebe Serzedello, um dos donos da marca, relata à Agenzia que ele e seu sócio encontraram a inovação tão desejada ao precisarem de um boné que acolhesse o volume do cabelo crespo e cacheado. A solução poderia virar um empreendimento próprio.  

Formados pela Escola Superior de Empreendedorismo do Sebrae, Caio Pereira e Calebe Serzedello, de 26 anos, foram continuamente provocados pela faculdade em criar novos negócios. Mas não um qualquer, baseado em ter uma ideia inovadora. Precisava ser algo que fosse validada pelo público, uma solução realmente necessária pela sociedade.  

Após inúmeras tentativas fracassadas, conseguiram encontrar a solução que tanto almejavam em um evento de gastronomia atendido por Caio, em novembro de 2019. Foi tudo muito rápido. Para não perder o serviço na barraca de espetinho, uma vez que a touca de pano disponibilizada não portava o volume de seu cabelo, o jovem teve que pensar em uma solução rápida.

“Aí ele (Caio)  pegou uma faca, esquentou o boné e abriu o boné atrás e pôs. Esse foi o primeiro boné da cabeleira”, conta Calebe. 

Os desafios da rotina do empreendedorismo jovem

Empreendedorismo jovem da marca Kabelera: Caio (camisa preta, cordão azul e óculos), um dos donos da marca, utilizando o primeiro protótipo de boné (vermelho na frente e preto atrás) ao que viria a ser a marca. Ao fundo, uma mesa branca com cadeiras azuis, parede branca e chão de madeira.
Caio, um dos donos da Kabelera, utilizando o primeiro protótipo de boné da marca. Foto: Reprodução/Calebe Serzedello

Sócios como Caio e Calebe refletem a essência do empreendedorismo jovem: a necessidade de correr riscos e a incerteza do dia de amanhã. Saber lidar com o que não pode ser controlado é um dos maiores desafios da vida de um profissional da área, porém essa oscilação é o que os move.  A dupla, por exemplo, quer fugir dos típicos estereótipos como “os meninos do boné”. Kabelera é uma marca profissional criada pelos dois, ponto final.

Mas a urgência de sempre estar pronto (e disposto) para encontrar uma solução imediata requer que se desenvolva uma inteligência emocional em um mundo já extremamente ansioso. O ato empreender, assim, demanda estar muito mais aberto para poder se flexibilizar com as demandas que vêm no dia a dia. 

Debates como etarismo e machismo passaram a fazer parte do mundo do empreendedor, ainda mais se tratando de jovens ambiciosos. Historicamente, alcançar grandes cargos dentro de uma empresa demandava anos de que os jovens estã experiência. O jovem, nesse ambiente, era ligado à ideia de alguém inexperiente. No mundo digital, essa hierarquia foi quebrada. Ester Santos, hoje com 28 anos, percebe que a ótica daqueles que estão fora da Geração Z descredibiliza e procura questionar todos aqueles que não se encaixam em padrões da sua época:

“As pessoas vão estar sempre dando opiniões de acordo com a ótica da vida delas. Com o que elas sabem, com o que elas conhecem, com o que elas acessaram”. 

Para isso, é  fundamental  ser estratégico. É necessário saber gerir seu negócio, suas possíveis crises, entender e conhecer seu público. E isso somado ao fato de estarem no auge de mudanças em suas vidas. São múltiplas responsabilidades exigidas com pouca idade, que vem acompanhadas das críticas.

A discriminação presente no ramo do empreendedor

A linha tênue entre o bom empreendedor e o do modismo contribui para o preconceito contra jovens que começam a empreender muito cedo. Matteo Couto, de 24 anos, desenvolveu o projeto The Founders, que visa capacitar jovens no ramo do empreendedorismo. Por meio de trocas de experiência e de talks semanais com empreendedores renomados, como Guilherme Benchimol, presidente executivo da XP Inc, Matteo vê uma explosão do empreendedorismo jovem, o que colabora para a descredibilização, mas que a generalização é prejudicial para aqueles tem um propósito dentro do mercado. 

Jovens empreendedoras frequentemente sofrem boicotes na área. Não é raro que as pessoas esperem que uma figura de “autoridade” seja um homem, como apontam as irmãs e sócias Luiza e Laura Koukdjian, de 23 e 19 anos, donas da Koelles.

“A gente sempre consegue o que precisa, mas exige um esforço que não precisaria se a gente fosse mais velha ou homens”, diz Luiza.  

Empreendedorismo jovem da marca Koelles: as irmãs Luiza e Laura, sentadas lado a lado, em cadeiras brancas estofadas adornadas em dourado. Luiza à esquerda usando uma regata verde escura e calça jeans preta, e Laura à direita usando uma blusa branca, jaqueta marrom e calça jeans azul clara. Entre elas uma bolsa da marca estampada em verde e branco, com a etiqueta em creme da marca escrito “Koelles” em amarelo.
Irmãs Luiza e Laura, donas da Koelles. Foto por Ana Beatriz Perez/Agenzia

A empresa Koelles surge da vontade de duas irmãs de seguirem os passos de sua família e entrarem para o mundo do empreendedorismo com um projeto que elas pudessem chamar de seu. Ao analisarem suas necessidades pessoais, perceberam que sentiam falta de uma bolsa versátil, grande e que pudesse atender a múltiplas ocasiões: seja para ir para o trabalho quanto uma viagem de final de semana. Assim, desenvolveram peças que solucionavam o problema para elas e, trazendo um diferencial para a marca, fizeram com que cada peça fosse personalizada e única para cada cliente. Ou seja, nunca haverá duas bolsas iguais, o que faz com que o consumidor tenha uma experiência singular com o produto que ele mais se identifica.  

Como os jovens ajudam jovens

Se uma coisa que jovens são naturalmente bons é criar conexões. Para o mundo dos negócios, essa habilidade vale ouro. Os jovens empreendedores que criam uma rede de apoio e oportunidades têm mais chances de superarem os obstáculos iniciais. Ao encontrar outras pessoas com os mesmos objetivos, elas podem estabelecer a construção de saberes e culminar com a democratização informações.  

Em busca de ampliar a comunidade de empreendedores e conhecer novos negócios de sucesso, foi o que fez Matteo Couto, da “The Founders”. Se o objetivo do projeto está pautado na comunidade jovem servindo como rede de apoio, construir uma rede de relacionamento (networking) permite enxergar novos horizontes.   Em um modelo de negócios sem fins lucrativos, The Founders se aproveita do senso de comunidade dos jovens empreendedores para que nas diversas trocas que são estabelecidas, eles ganhem bagagem e entrem no radar de grandes investidores. Como contrapartida, quem participa do projeto tem de se tornar um membro ativo, engajado e o proativo. Isso tem gerado conversas e dinâmicas que impedem que outros negócios não vão à falência na primeira falha. 

Empreendedorismo jovem da marca E.pipi: Foto com duas mãos segurando o produto aberto, a de baixo com a embalagem (rosa com escrita branca e desenho de um quadril delineado com funil urinário) e a de cima segurando o produto em si (está dobrado, é branco e tem escrito e.pipi no centro). O fundo, na parte de baixo, está repleto de produtos fechados, na parte central há duas caixas do produto fechadas (cor de rosa claro nas laterais e escrita e parte de cima rosa escuro), e na parte de cima o fundo branco.
Produto da marca e.pipi aberta. Foto por Marcela Monteiro/Agenzia

A Epipi é uma das startups que receberam apoio do projeto The Founders. A ideia da e.pipi surgiu em 2017, quando a família dos fundadores, Karen e Erik Geppert, conversava sobre festas e eventos e se questionava sobre a falta de opções para as mulheres fazerem xixi em pé. A partir deste problema, a marca surgi com um produto inusitado, um funil urinário descartável e biodegradável que permite que as mulheres façam xixi em pé, evitando contato com o vaso sanitário.  Mesmo sendo uma marca já consolidada e conhecida no ramo, ao participar da The Founders, consegue potencializar sua empresa, expandir suas conexões no mercado, aprender com os experientes e com os demais membros ativos do projeto, conhecidos como “founders”.   

Aliadas estratégicas do novo empreendedor

Nunca é demais lembrar que os jovens se destacam no atual ambiente empreendedor por já serem considerados nativos digitais. Se antes, a pessoa que iria iniciar um novo negócio tinha também o trabalho de ter de se adaptar às aceleradas mudanças tecnológicas, a Geração Z possui uma maior afinidade com a internet e compreende a importância dela para o futuro. Nem é preciso mais falar em “adaptação à cultura digital”. Por isso, a entrada de jovens no empreendedorismo deve ser vista com bons olhos. Segundo o Sebrae, eles já representam 4,9 milhões de empreendedores em 2024. 

O cenário para o jovem empreendedor no Brasil se mostra otimista. O reality show pautado em dar visibilidade e suporte financeiro para empreendedores que buscam tirar suas ideias de negócio do papel, o Shark Tank (Sony Channel e Youtube), foi palco para três jovens mostrarem seu potencial ao apresentarem um produto revolucionário para o Brasil, a primeira bala energética do país. A Dot Energy é uma empresa gerenciada por Lucas Dib, de 24 anos, Camila Bevilacqua, de 23 e Eric Araújo, de 21. Jovens empreendedores que demonstram a capacidade e o quanto a juventude pode agregar dentro do mercado.  

Lucas Dib, um dos sócios da empresa Dot Energy, conta como saber manejar as redes sociais os destacou, uma vez que foram notados pelos produtores do Shark Tank duas semanas após o lançamento do produto. Isso porque nos dois meses que antecederam o lançamento passaram a alimentar o perfil digital da marca para que houvesse, como o próprio Lucas coloca, um “buzz”(agitação).  

Empreendedorismo jovem da marca DOT: Fundo branco com uma mão segurando uma caixa (fundo azul e escrito DOT em branco, com as balas redondas ilustradas em branco e instruções em verde claro) inclinada na diagonal entre o polegar e demais dedos.
Bala energética DOT. Foto por Marcela Monteiro/ Agenzia

Sua participação no programa reflete como cada vez mais os jovens vêm se engajando e mostrando competências para iniciar empreendimentos cada vez mais sofisticados e modernos. A partir de um olhar singular e ativo, os três jovens perceberam como seus colegas de faculdade buscavam alternativas para se obter energia que não fosse o consumo do café. Perceberam haver ali uma oportunidade de negócios. Então foram a campo para saber se a ideia de desenvolver uma bala com função de dar energia e que pudesse substituir o café era realmente necessária.  

As irmãs Laura e Luiza Koukdjian também viram nas redes sociais a oportunidade de alavancar seu negócio e se tonarem conhecidas. Optaram por impulsionar sua marca em meio virtual, uma vez que não possuíam loja física. As empresárias conseguiram direcionar seu conteúdo para o público jovem que se identifica com a marca.  

Conseguir fazer com que o consumidor se sinta ouvido é um dos pilares para a visibilidade na internet, aprenderam as irmãs Koukdjian. Ao se solidarizar com o problema do cliente, adicionado a autenticidade e preocupação com a imagem que buscam passar para quem as acompanha, o empreendedorismo jovem se destaca, uma espécie de atalho para chegar ao topo.  

Em outras palavras, é importante buscar entender suas vivências enquanto empreendedores jovens, como a tecnologia ajudou a moldar o novo ambiente de negócios e possibilitar que sejam vistos não apenas como estagiários, mas os próximos CEOs de sucesso.  

Equilibrando os pratos

Se as redes sociais se mostram vitais para o desenvolvimento dos novos negócios, elas também dificultam a imposição de limites físicos e mentais.  A demanda pela alta produtividade, fomentando uma pressão impossível de ser suportada pelos seres humanos, gera um negligenciamento do bem-estar e até mesmo da saúde do empreendedor jovem. É uma condição comum à sociedade moderna e possui até um termo técnico conhecido como “produtividade tóxica”. Esse tipo de mentalidade desumaniza os trabalhadores e tornam situações cotidianas como o simples ato de descansar por 15 minutos após o almoço, um ato abominável e que se torna um sinônimo de fracasso. 

A disseminação da ideia de que é possível realizar tudo o que é planejado sem a necessidade de escolhas de prioridades auxilia na idealização de uma “vida perfeita”, como a que é exposta na internet. A necessidade de abdicar de partes da vida por acreditar em uma ideia é a realidade e como a cobrança pelo ideal é injusta e parte de um pressuposto de perfeição particular de cada um.

“É uma vida que você vai equilibrando os pratos. E aí você sabe que tem vários pratos, e uma hora vai ter que deixar um cair mesmo, o outro cair, e aí só tem que escolher qual prato que tem que cair”, afirma Calebe Serzedello. 

A imagem dos jovens empreendedores

Segundo um estudo do Sebrae, 81,8% dos jovens empreendedores cursam o nível superior (graduação ou pós-graduação). Esses dados exemplificam o que é apontado pela professora do Insper Berenice Damke: os jovens procuram uma qualificação para credibilizar seus negócios, o que se torna mais acessível com faculdades voltadas para o empreendedorismo.  

Mas estudar não basta. Como alguns jovens conseguem “pular degraus” e alcançar o topo de suas carreiras de forma precoce, o profissional sênior se sente ameaçado pelo empreendedorismo jovem. E os mais novos se sentem mais pressionados pelo aumento de expectativas em relação à sua capacidade do que anteriormente, indicaram os pesquisadores Gustavo Simão LimaI, Antonio Carvalho NetoII e Betania Tanure, em artigo publicado na Revista Eletrônica em Administração

Esses jovens executivos que vivem preconceitos por causa da idade enxergam os empreendedores mais velhos como mais resistentes às mudanças e mais rígidos a práticas de gestão ultrapassadas. Esse conflito entre executivos de diferentes idades na mesma posição hierárquica revela um pensamento dos mais velhos, que se veem como mais leais que os jovens. Essa tensão no convívio impede que ambos aprendam um com o outro, prejudicando o desenvolvimento profissional e pessoal. Encontrar um meio do caminho para que ambas as gerações se complementem seria benéfico ao empreendedorismo em geral.

Os aprendizados dentro do empreendorismo jovem

Apesar do ato de empreender estar sempre ligado a palavras como resiliência, fracasso e sucesso, sendo essas norteadoras da profissão, enxerga-se o diferencial dos jovens na maior abertura à inovação, adaptabilidade à tecnologia e preocupação com sustentabilidade e impacto social. Fica clara a potencialidade desses jovens, especialmente em um mundo interconectado. Sua facilidade com a tecnologia permite um uso estratégico, aumentando sua visibilidade no mercado. 

Ser corajoso e estar disposto a tentar quantas vezes for necessário está na essência dos entrevistados pela Agenzia. Assim como entender que o trabalho árduo é necessário para quem está atrás do sucesso, mas também ter a humildade de pedir ajuda. 

O empreendedorismo jovem vive suas próprias vidas em busca de sonhos e objetivos. Suas experiências não são exclusivas, confirmando “que você é visto como louco até realmente dar certo”, como afirmou Matteo Couto. 


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