sexta-feira

13-junho-2025 Ano 1

Crise das Novelas: onde está a audiência da Globo? 

Tramas brasileiras tentam se manter vivas no coração de um público cada vez mais disperso entre streamings, novelas coreanas e mudanças de hábito.

Por Amanda dos Santos, Giovanna Zanchini, Isabela Freire e Yamdra Jahnel 

Elenco principal da novela “Mania de Você” – Foto: Arquivo Globo 

Todo mundo tem um familiar, um vizinho ou um amigo que sempre está ligado nas novelas, sempre reparando em cada detalhe passado na telinha. Mas com o aumento de ofertas internacionais de séries, filmes e produções de streamings, surge a dúvida: apenas eles se mantiveram ligadas nas teledramaturgias?  

Uma tradição muitas vezes é trocada. No decorrer dos anos, foi-se criando o hábito da busca de outros meios de entretenimento, principalmente pelos jovens. Com isso, as emissoras televisivas iniciaram várias tentativas de capturar a atenção desse público para a sua programação. A Globo, uma emissora que está há 60 anos produzindo histórias e emoções é capaz de conquistar toda uma geração de telespectadores de uma era extremamente mais tecnológica do que a deu seu começo?   

O instituto Kantar-Ibope decidiu comparar a audiência das novelas antes da pandemia, durante e após. Em um ranking elaborado pela Agenzia com dados do Ibope, antes da pandemia os pontos de audiência das novelas passadas da TV Globo no horário das seis horas eram mais altos do que durante e pós-pandemia Covid-19: 

Gráfico de um ranking feito com pontos de audiência das novelas do horário das seis.
Foto: Yamdra Jahnel/ Agenzia

Já com as novelas das sete houve um caminho diferente, chegando nos tão esperados 20,5 em 2021, em plena pandemia com Quanto Mais Vida, Melhor!. Atualmente atingiu uma queda de 1,2 pontos em 2024 com Volta Por Cima, chegando a 19,3. 

Gráfico de um ranking feito com pontos de audiência das novelas do horário das sete.
Foto: Yamdra Jahnel/ Agenzia

No horário nobre, o crescimento veio após a pandemia, com o remake da novela Renascer em 2023 com 25,5 pontos. No ano seguinte, houve uma queda brusca com Mania de Você chegando a 21 pontos. 

Gráfico de um ranking feito com pontos de audiência das novelas do horário das oito.
Foto: Yamdra Jahnel/ Agenzia

“Hoje, todo mundo está batendo muito em remake, mas nem a Inédita deu certo, que Mania de Você não subiu a audiência. Então o problema não está na nova versão. O problema está justamente em conversar com o público que era de TV aberta e que saiu e está no digital que busca dramaturgia”, afirma José Armando Vannucci, jornalista e comentarista de teledramaturgia da TV Gazeta. 

Impactos da pandemia 

As gravações das novelas brasileiras foram abruptamente paralisadas em março de 2020, criando um cenário de incerteza e urgência para a teledramaturgia. A diretora de produção Dani Leal relembra: “Foi um susto. No dia 13 de março, todos os líderes das equipes foram chamados na sala do diretor. Ele comunicou que era para mandar todo mundo embora, para casa. A gente achava que ia voltar em dois, três dias, mas nunca mais voltamos”. 

Com as produções suspensas, a Globo recorreu às reprises enquanto definia novos protocolos de segurança.

“A gente gravava quatro cenas por dia, quando o ideal seriam 32. A produtividade despencou. Foi por isso que entramos com reprises”, resume Dani.

Os estúdios passaram a funcionar com equipes reduzidas, objetos esterilizados, testagens diárias e até placas de acrílico entre os atores. As alterações na rotina dos estúdios afetou diretamente o ritmo e a estética das produções. 

O retorno foi gradual e cercado de cuidados, consequência direta das restrições impostas pelo período pandêmico. Para garantir a segurança, testagens frequentes, distanciamento entre os atores e a redução das equipes tornaram-se parte da rotina. Cenas românticas, com beijos ou contato físico, passaram a ser evitadas, o que transformou não apenas os bastidores, mas também a linguagem visual e emocional das novelas. O público, acostumado a tramas intensas e envolventes, passou a acompanhar histórias mais contidas e muitas vezes marcadas por maior distanciamento afetivo.  

Regina Casé e Nanda Costa nos bastidores de ’Amor de Mãe’ (2019) — Foto: João Miguel Júnior/Globo

A novela Amor de Mãe (2019) ilustra bem essa mudança. Ao retomar a exibição com capítulos inéditos, a produção decidiu incorporar a pandemia à narrativa, com cenas em hospitais superlotados e dramas familiares provocados pelo vírus. Apesar da tentativa de se conectar à realidade brasileira, a novela foi criticada pelo tom considerado pesado e denso, o que afastou parte do público, tradicionalmente em busca de entretenimento leve e de uma fuga da dura realidade. 

Outro reflexo das novas condições foi a necessidade de adaptações nos roteiros. Diversas histórias foram encurtadas, reescritas ou ajustadas. Um exemplo é Salve-se Quem Puder (2020), que teve seu desfecho acelerado e perdeu o tradicional contato com o público durante a exibição. Uma das marcas da teledramaturgia brasileira, que costuma ajustar tramas e personagens conforme a recepção da audiência. Essa perda de interação tirou uma das principais forças do formato: sua capacidade de adaptação quase imediata. 

A Universidad Metropolitana para la Educación y el Trabajo, da Argentina, produziu um relatório sobre o impacto da pandemia no audiovisual, onde é possível afirmar que o setor, apesar de sua relevância econômica, representando 0,9% do PIB nacional e empregando cerca de 9,1% da força de trabalho da indústria cultural, foi um dos mais duramente atingidos pela pandemia da Covid-19. Durante o segundo trimestre de 2020, o setor registrou uma queda de 32,7% em suas receitas, índice significativamente superior ao do setor de serviços em geral.  

A paralisação das atividades presenciais levou ao cancelamento ou adiamento de centenas de projetos, resultando na perda de aproximadamente 10 mil postos de trabalho na América Latina. A crise também acentuou a precarização das relações laborais, especialmente entre trabalhadores autônomos, que viram suas fontes de renda desaparecerem abruptamente. Diante desse cenário, a qualidade e a diversidade das obras exibidas se comprometeram diretamente, refletindo o impacto estrutural profundo enfrentado pelo setor. 

Apesar dos desafios, a pandemia acelerou processos de reinvenção. A Globo passou a investir em novas formas de gravação, valorizou seu acervo ao relançar novelas clássicas no Globoplay e voltou suas atenções ao streaming como estratégia para o futuro. Ainda assim, a crise expôs o desgaste do modelo tradicional de teledramaturgia e acendeu o debate sobre o futuro das novelas em um cenário de mudanças profundas no consumo de mídia.  

A influência do streaming

Com 75% da população brasileira consumindo vídeos online diariamente, a popularização de plataformas de streaming como Netflix, Amazon Prime Video e Globoplay tem influência na queda de audiência das novelas tradicionais. Esse tipo de consumo proporcionado, em que o espectador tem acesso a conteúdo sob demanda, ou seja, pode escolher o que, quando e onde assistir, coloca em xeque o consumo habitual do público brasileiro e desafia a televisão a aberta a manter sua relevância. 

“Como vivemos em um país muito desigual, em que o acesso à internet não chega a todos os lugares, a televisão ainda ocupa um lugar central, mas claro que, nos próximos anos, observamos mais mudanças e a pandemia acelera essas mudanças. Existe esse senso de urgência da própria indústria televisiva de compreender como é esse cenário, para então afinar seus modelos de negócio e produção”, afirma o dramaturgo e roteirista Lucas Martins Néia.  

Um resultado recente da fusão entre o streaming e a telenovela é a produção da Max, Beleza Fatal, que combinou um elenco já muito conhecido pelo público e seus personagens marcantes, como a carismática vilã Lola, com os exageros característicos do melodrama e um formato mais dinâmico que o tradicional. A repercussão positiva da novela de 40 capítulos nas redes sociais evidencia que a Globo deve mover esforços para se adaptar às novas dinâmicas de consumo e diversificar sua oferta de conteúdo audiovisual. “Eu acho que junto com a pandemia, com a sanção do streaming, com a oferta de conteúdo, teve uma série de mudanças na Globo, de gestão, e ainda estão encontrando o que é essa nova fase da teledramaturgia da Globo. E eu acho que ainda não acharam”, afirmou o colunista de entretenimento pela UOL, Chico Barney. 

Digitalização e as mudanças dos hábitos de consumo

Segundo Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela Universidade de São Paulo, o mundo está passando pela Quarta Revolução Industrial. Essa nova era da comunicação, marcada pela digitalização acelerada e pelo consumo fragmentado e pulverizado de obras audiovisuais. Para além de acompanhar as tramas por meio de horários fixos e reprises, o público tem se acostumado a se atualizar por meio de cortes no TikTok, postagens no Instagram e comentários no X, antigo Twitter.  

“É o consumo que a gente faz para tudo. É um padrão de comportamento que é cada vez mais normal. O que eu acho que não dá é repensar toda a estrutura de uma novela para acabar no corte. O corte é o talento posterior. Acho que o talento anterior precisa continuar valorizando a experiência dessa imersão, que não é bem uma imersão, né? Porque a novela é feita para a gente assistir e fazer uma outra coisa”, discorre Chico Barney. 

O consumo fragmentado se encaixa como fator característico da cultura imediatista em que vivemos atualmente, uma vez que o ser humano tem menos paciência para consumir uma programação linear e preza pela autonomia e flexibilidade proporcionadas pelas diferentes plataformas de entretenimento. “Mas também é uma evolução tecnológica de acesso ao conteúdo, de mobilidade de conteúdo e possibilidades”, adiciona Barney. 

Outro aspecto relevante que compõe essa nova era da comunicação é a interatividade com os espectadores. As redes sociais passaram a ser usadas pela emissora para fortalecer o engajamento do público e visibilidade das novelas, motivando uma relação mais próxima entre ambos. O público não é mais apenas espectador passivo, mas também atua como produtor e distribuidor de conteúdo. Esse cenário fica explícito por causa do compartilhamento de opiniões e críticas e do desenvolvimento de tendências.

Novelas turcas, doramas…

O sucesso crescente das novelas internacionais, especialmente aquelas produzidas na Turquia, na Coreia do Sul e no Japão, é outro agravante da queda de audiência. Essas produções têm ganhado cada vez mais destaque no mercado audiovisual brasileiro, ganhando a preferência de muitos telespectadores. 

Entre 2019 e 2022 houve um levantamento feito pela Netflix que mostrou que o interesse em séries asiáticas sextuplicou. Dados da Box Brazil Media Group indicaram que o Brasil, em 2022, ficou no Top 5 no ranking dos países que mais consumiram séries coreanas. 

As novelas turcas também não ficam atrás: Força de Mulher (2017) Transmitida pela TV Record, chegou a registrar uma média de 9 pontos de audiência. O telejornal da emissora Cidade Alerta teve 3,4 pontos, para efeitos de comparação. 

As novelas turcas chamam a atenção pelo capricho na cinematografia, nos figurinos, na e, principalmente, no cuidado com os cenários. Já os chamados “doramas” investem pesado em roteiros bem elaborados, atuações intensas e edições modernas. Tudo isso é viabilizado por orçamentos generosos e equipes técnicas altamente qualificadas, que tratam cada projeto com o máximo de cuidado e profissionalismo. 

Com vidas e romances idealizados, galãs e mocinhos que encantam o público, essas novelas estrangeiras acabam gerando uma identificação emocional e uma dependência daquele universo fictício. Viraram a forma de escape perfeita dos problemas cotidianos. 

Vale lembrar que plataformas de streaming ajudaram muito a espalhar esse tipo de conteúdo. Hoje em dia, é possível maratonar uma novela turca ou um dorama coreano com legendas ou dublagens em português.  

A Globo já mostrou interesse nesse tipo de conteúdo com uma das últimas novelas lançadas. Volta por cima, que foi ao ar em 2024 chamou atenção pelo roteiro que era voltado para aspectos asiáticos, com a protagonista sendo obcecada pela cultura coreana. Alguns estereótipos foram alvo de críticas pelo público por achar a trama ofensiva, mostrando que a inspiração nessas novelas não sejam a melhor solução.  

“A Globo há 10 anos resolveu abandonar uma estética que ela mesma tinha criado, popularizado, para tentar copiar a Netflix e Hollywood. Em geral, eu acho que isso criou uma crise de identidade muito grande, porque não sabem fazer tão bem, imitar tão bem”, afirma Chico Barney.

Para o colunista, a Globo sempre teve algo único para ela então talvez seja melhor se reinventar com algo novo e criativo do que tentar ser a imitação de algo e ficar sempre no mesmo.  

Futuro da emissora

As intensas transformações passadas pela rede Globo ao longo das décadas não refletem só nas mudanças internas da emissora. A evolução do comportamento e das preferências do público também são consequências. No entanto, a transição não vem sem desafios, uma vez que o futuro da teledramaturgia implora por reinvenção. Tal necessidade é indispensável em um cenário em constante metamorfose. A coexistência entre tradição e inovação é caminho para garantir que a Globo se mantenha relevante no mercado audiovisual em meio a uma nova era. 

UTILIZAÇÃO DE IA

Autoria Humana Exclusiva

Este conteúdo é integralmente de autoria humana, sem uso de Inteligência Artificial em nenhuma etapa da produção.

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