Lula ou Bolsonaro, PT ou PL, esquerda ou direita, progressistas ou conservadores, o fanatismo político faz o brasileiro viver um eterno clima de Fla-Flu
Por Alexandre Pelicer, Bernardo Petrucelli, Blume Durães, Enrique Cánovas, Guilherme Soares e Léo Albiero
“Ele é um enviado de Deus para salvar o Brasil.” Essa frase ouvida pela reportagem da Agenzia se referia a Lula ou a Bolsonaro? Errou se chutou para um dos dois lados. Ela foi dita tanto para falar do atual quanto do ex-presidente da República. Transformar os políticos em seres superiores não é coisa de direita nem de esquerda, mas de ambos. É característica comum do fanatismo político colocar as figuras de sua preferência em um pedestal e vê-lo como solução para todas as mazelas que afligem o Brasil. O problema é quando essa idolatria se transforma em violência contra os que não pensam igual.
O fanatismo político tem feito vítimas. No ano de 2024, ano de eleição, foram registrados sete casos de violência política por dia no Brasil. As organizações Terra de Direito e Justiça Global, autoras da terceira edição da Pesquisa “Violência política e eleitoral no Brasil”, mostram que esses casos resultaram em 27 assassinatos e 71 agressões. Quase uma pessoa morta a cada 14 dias. A Agenzia foi ouvir especialistas e pessoas que defendem um e outro lado da polarização. Para não haver confusão, serão apresentados separadamente…
“Bolsonaro, um escolhido de Deus”
Discursos extremos, mas cativantes, de Lula e Bolsonaro são reproduzidos por fãs deles nas ruas e viram combustível para atacar o outro lado. Como diria o ditado “Tal pai, tal filho”. Esses fãs têm em seus “ídolos” figuras supremas, então é natural que eles queiram fazer parte do arco de seu herói político. “O indivíduo, junto a um grupo político, é altamente influenciável. Ele se torna uma célula de um organismo vivo maior”, diz a psicóloga Marisa Abujamra.
A psicóloga Marisa Abujamra comenta que o fanatismo político surge da relação paterna ou materna: “Essa pessoa que se coloca no lugar de cuidador (o político), mexe com as questões profundas da relação do indivíduo com seus pais”. E os políticos aproveitam para se colocar em lugar de subsidiadores das necessidades humanas, os pais, portanto. É como se pudessem ocupar essa mesma função na infância dos indivíduos. “O populista entra no lugar desses pais de fazer as vontades, de proteger, e a gente quer repetir essa relação.”
Em 6 de abril, houve uma manifestação pró-anistia a Jair Bolsonaro na Avenida Paulista. O próprio ex-presidente e o governador Tarcísio de Freitas discursaram na ocasião. Entre os ouvintes, estava o candidato a vereador por Itapevi-SP, na eleição do ano passado, José Mauro Barreto. “Bolsonaro para mim é um mito porque nós não tínhamos esse direito de expressão até ele chegar lá na presidência. Ele abriu o leque para que a gente pudesse discutir os direitos sociais e a nossa liberdade, que hoje não temos mais”, afirmou.
Essa “retomada da liberdade” seria uma atribuição de uma “capa protetora” a Bolsonaro para que certa parcela da população o torne o “herói que a nação precisa”. Faz sentido tratar o ex-capitão como “o homem que deu liberdade ao brasileiro”? Para muitos fanáticos políticos, sim. Porém, dados simples, como o Índice de Liberdade de Imprensa da ONG “Repórteres sem Fronteiras” mostram que a liberdade dada aos jornalistas no governo Bolsonaro piorou significativamente comparada aos governos anteriores.
Abujamra identifica a idealização dos políticos como um mecanismo de emancipação dos pais como figuras cuidadoras: “A gente quer ter um herói perfeito nas nossas vidas e na infância, e esses heróis são os pais. Entretanto, ao longo da vida percebemos que às vezes nossos pais nem sempre vão cumprir esse papel e então buscamos esses ídolos perfeitos em outros lugares, como na religião ou na política”.
O historiador Marcus Oliveira, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), faz um comentário sobre a fala do vereador: “A direita brasileira está numa luta para definir alguns conceitos, socialmente, como, o que é liberdade, direitos humanos, ditadura, democracia; quem são os democratas e os autoritários”, diz. “A anistia era uma bandeira da esquerda contra o autoritarismo da ditadura militar. Nesse sentido, a direita vai tentar passar a ideia de que punir as pessoas pelo acontecimento de 8 de janeiro foi um exagero, representando o início de um governo autoritário quando Lula foi eleito em 2022.”
O Brasil negacionista

“O Bolsonaro é um fenômeno político que consegue congregar a direita em toda a amplidão do espectro dela e ele é um fator de coesão cultural muito importante… o que ele representa, em termos do fenômeno do ressurgimento da direita, é muito importante. A figura dele é culturalmente essencial”, afirma o ativista da direita Paulo Kogos. Ele diz discordar de alguns posicionamentos de Bolsonaro, mas o vê como precursor do ressurgimento da direita no Brasil.
A necessidade de pertencimento, explícita no discurso sobre a importância da figura de Bolsonaro para a direita como congregador, também é um fator essencial para o início de um certo fanatismo político, necessidade essa que surge por um vazio existencial e uma insegurança na própria identidade. “Às vezes as pessoas precisam disso para se sentirem parte de um grupo, de uma comunidade, de uma tribo. Mas tudo isso é para tapar buraco, é uma identidade que não está bem resolvida… ter uma segurança em alguma identidade pois é inseguro em uma identidade própria…A gente vive num mundo de relações fluidas, e às vezes, a gente quer se prender em alguma coisa. Os lados políticos acabam se tornando alguma coisa para nos prendermos”, diz Abujamra.
O discurso de Jair Messias Bolsonaro como um salvador está muito presente na fala de seus fãs. “Uma ditadura é o que estamos vivendo hoje, eu acho que ele (Alexandre de Moraes) está implementando uma ditadura da toga que é ainda pior que a do comunismo. É a pior ditadura que poderíamos estar vivendo”, afirma o bolsonarista Leandro Moura, de Minas Gerais. “Ele é um símbolo de esperança, não só para mim, mas para todo nosso país. Foi com Bolsonaro que os olhos de muitas pessoas foram abertos para que possamos ver o que significa defender a pátria e a liberdade”.
Para o historiador Marcus, a direita recorre a esse tipo de argumento e afirma estar sofrendo de perseguição após Lula assumir a Presidência: “Estão tirando de circulação não por uma questão ideológica, mas por uma questão de propagação antidemocrática, espalhar Fake News, desinformação, atacando a democracia. Isso é realmente problemático. Existe liberdade de expressão no país, mas é preciso arcar com as consequências. Gostam de pegar esse papel de vítima para criar essa imagem”.
Outro ponto crucial e perigoso do discurso reproduzido por bolsonaristas é a relativização da ditadura militar, como feita por Antonio Gaziero: “A ditadura foi uma resposta ao processo de ‘comunização’ que estava ocorrendo no Brasil. Vários países sucumbiram na época (a governos de esquerda) e não se recuperaram. É difícil falar isso, mas, a meu ver, foi uma ditadura necessária naquele momento”, acrescenta outro eleitor de Bolsonaro, Antonio Gaziero.
A relativização da ditadura é uma das retóricas mais recorrentes do fanatismo político da extrema direita. Durante o período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, 434 pessoas foram mortas ou estão até hoje desaparecidas, segundo relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), sem contar os torturados, exilados e presos políticos. Isso dá uma média de um fim decretado a cada 18 dias. É isso que muitos bolsonaristas negam ou minimizam ao mesmo tempo que relatam que o Brasil vive uma ditadura implantada por Alexandre de Moraes e Lula.
Entre 2023 até janeiro de 2025, o governo que eleitores de Bolsonaro alegam ser antidemocrático, por ter prendido manifestantes que performaram os atos golpistas de 08de janeiro de 2023, atuou contra 1.552 pessoas envolvidas na tentativa de golpe. Dessas 1.552 ações, pelos menos 903 já foram resolvidas com 523 condenações, segundo o Supremo Tribunal Federal. Esse número de autuados, julgados e condenados é bem menor que os da ditadura que eles reduzem, que teve, no mínimo, 50.000 perseguidos apenas nos primeiros meses de governo, segundo a CNV.
O conservadorismo bolsonarista é bastante exaltado pelos defensores do ex-presidente, que andavam pela Avenida Paulista no dia 6 de abril com imagens com simbologias católicas, inúmeras camisas do Brasil e bandeiras antiaborto. “Bolsonaro é um escolhido de Deus para acabar com o comunismo no Brasil”, disse Giovani Salas, chileno que mora no Brasil. “O Bolsonaro foi o único presidente de direita desde 1985.” Ele ignora as presidências de José Sarney, Fernando Collor e Michel Temer.
Lula, o presidente de origem popular

Como Bolsonaro, Lula também mobiliza massas com discursos comoventes e persuasivos. “Lula não foi o primeiro político a olhar para os pobres, mas o primeiro presidente de origem popular, operário, que veio dos sindicatos”, lembra Marcus Olveira. O atual presidente da República afirma que passou fome, viveu na pobreza e não teve uma educação escolar digna. Essa é uma realidade amplamente conhecida.
Milhões de brasileiros conseguem se identificar com a história do presidente. A pobreza, a fome e a evasão escolar são pontos convergentes entre Lula e o brasileiro trabalhador, negligenciado e que luta com as contas no fim do mês. Então, ele se mostra como um representante dessa realidade sofrida. “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome”, disse Pedro Fernandes Moura, um eleitor de Lula. “Quando ele fala com o povo é muito emocionante. Ele abraça o povo, é um cara que já passou fome.”
Essa identificação faz com que seus eleitores vejam nele uma figura paternalista que gera o fanatismo político. Segundo a psicóloga Marisa Abujamra, o povo vai sempre escolher o candidato que tenha pautas que são importantes para sua realidade e o Lula torna fácil essa identificação para milhares. O pobre, o trabalhador, o analfabeto e quem quer ajudar essa população vê no Lula o seu candidato e o adota como figura cuidadora.
E de forma quase que messiânica, a figura do presidente para parte de seus defensores, foi essencial para a melhora na vida dos brasileiros. Um dos maiores argumentos que defendem os dois primeiros mandatos do atual presidente, feito pelos lulistas, foi o de que Lula foi um pivô para a diminuição do analfabetismo no Brasil. De fato, a taxa de alfabetizados no Brasil em seus primeiros 8 anos de governo aumentou. Mas, quando compramos com os dois mandatos anteriores, presididos por FHC, a melhora percentual alcançada por Lula foi inferior. Enquanto FHC conseguiu um percentual de melhoria de 3,6% (Segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional – INAF), Lula conseguiu 2,3% (Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar – PNAD).
“Lula é tudo… eu não tenho nenhuma crítica ao presidente, voto nele desde sua primeira vez como candidato, e não vejo nenhum defeito nele”, responde o professor de história Roberto Silva, apoiador do presidente.
Marisa Abujamra cita dois sentimentos como motrizes para o fanatismo: “Os sentimentos de amor e ódio. Amor por aquele indivíduo e raiva pelo oposto dele. São também os primeiros sentimentos que todos têm em relação aos pais”. Ela dá uma ênfase maior à da raiva, pois, para alguns, a política pode se tornar uma forma de extravasar esse sentimento para pessoas que tiveram esse sentimento reprimido ou incentivado durante os anos iniciais da vida: “Uma pessoa tanto criada em um lar explosivo quanto repressor, pode ver no fanatismo político uma forma de expressar sua raiva”. Essa raiva, para eleitores do Lula, é corriqueiramente associada a deterioração da imagem da direita, do ex-presidente e principalmente de sua gestão durante a pandemia: “Ele está sofrendo o que o povo sofreu na pandemia (sobre vídeos do Bolsonaro no hospital), eu não tenho dó nenhuma”, diz Pedro Moura, estudante e eleitor assumido de Lula.
Uma pauta trazida por diversos eleitores de Luiz Inácio é a negação do envolvimento do atual presidente em qualquer esquema de corrupção. No contexto do fanatismo, a negação é feita utilizando-se argumento onde coloca o indivíduo Lula como um ser sem defeitos, impossibilitado de cometer qualquer ato moralmente incorreto. “Lula foi preso injustamente, ele é honesto, tudo foi inventado, montado para incriminar ele”, diz Roberto Silva.
A divinização da figura política também é algo presente na figura do atual presidente. Segundo Romildo D’avilla: “Lula é um verdadeiro apóstolo de Deus, igual ao papa Francisco”. Marisa diz acerca dessa transformação do político em uma figura messiânica: “Penso que é sobre a nossa necessidade de ter alguém que nos dê respostas e cuide da gente… O ser humano sempre quer resposta, sempre gostou de oráculos para responder suas angústias”.
A fuga do fanatismo político
Se a política virar uma briga entre fã clubes, a tendência é que a discussão política seja deixada de lado, para que pessoas discutam pessoas. Marisa faz um comentário sobre a semelhança entre o fanatismo político e o fanatismo por artistas: “A gente precisa de heróis, as motivações talvez sejam diferentes, mas os mecanismos são os mesmos”. Faz parte do indivíduo necessitar alguém que interprete essa figura do herói, de identificação, que pode ser tanto um político, como uma religião ou um time de futebol. O que não é aceitável é a existência de pessoas fanáticas que saem nas ruas para difamar o ódio contra pessoas que têm opiniões divergentes.
Karolyne Petrucelli, brasileira servidora pública na Inglaterra, diz: “Oitenta por cento da razão para eu sair do Brasil foi a polarização. Não queria meus filhos vivendo nesse país onde o ódio por uma pessoa com uma ideologia diferente da sua é tão comum”. Petrucelli ainda comenta sobre sua fuga do fanatismo:“Já fui uma pessoa fanática pelo Lula até perceber que eu tinha que defender ideias e não uma pessoa. Tanto Lula quanto Bolsonaro são pessoas falíveis como qualquer outra.” Sobre como deixou de ser fanática, ela responde: “Percebi que isso estava fazendo mal para mim pelo fato de estar brigando com minha família por causa da política. O Lula não vai me defender, mas meu pai vai”. Petrucelli ainda adiciona que já sofreu preconceito por ser uma pessoa de esquerda e não é a única pessoa a relatar isso.
Segundo Marisa Abujamra, o velho conselho de que nada em excesso é bom e o certo é o caminho do meio vale também para a política. “Inteligência é ter flexibilidade”, diz a psicóloga que complementa: “Uma vez que alguém se torna um fanático, é difícil fugir. Às vezes, uma educação reflexiva pode fazer o indivíduo cair na real e sair dessa posição. Mas, às vezes, o indivíduo pode querer continuar fanático, porque o fanatismo está preenchendo alguma coisa”.
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