Entenda como as casas de apostas, o tigrinho e as bets no futebol estão cada vez mais presentes no cotidiano do povo brasileiro
Por Felipe Ximenes, Gabriel Arenola, Gustavo Lillis e Henrique Amadeu
Trinta e seis bilhões de reais. Esse é o valor estimado pelo Santander em gastos no mercado das bets no Brasil em 2024. Esta cifra corresponde à metade da economia do Piauí. O dinheiro despejado em bets é ainda mais preocupante ao saber que 3,6 bilhões de reais são utilizados por beneficiários do Bolsa Família. De acordo com um estudo do Educa Insights, 41% dos apostadores revelaram que não só pertencem às camadas mais baixas da população como deixaram de entrar em instituições de ensino superior por gastar em casas de apostas.

“É uma pandemia que não é de um patógeno, não é um vírus ou bactéria. É um vírus digital”, afirmou Hermano Tavares, fundador do ambulatório do jogo do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Desde 1998, ele atende pacientes que sofrem com o vício em apostas, no Hospital das Clínicas. Em entrevista à Gama Revista, da UOL, ele afirma que a procura pelo tratamento triplicou desde 2023, não suportando atender mais de 10 novos pacientes no programa.
- A agência Fiquem Sabendo reuniu dados de que foram feitas 209 reuniões para discutir a explosão e regulamentação das bets no Brasil, envolvendo órgãos federais e privados entre março e setembro de 2024. A pauta principal das reuniões era focada no debate econômico, como as taxações dos jogos e a regulamentação dos patrocínios nos campeonatos de futebol. Mas apenas duas reuniões tiveram a participação do Ministério da Saúde. O governo federal deixa claro que o regimento administrativo das apostas tem muito mais preocupação no foco econômico do que na conscientização sobre as consequências mentais dos vícios em jogos de azar.
Atualmente, o ato de jogar compulsivamente e sem pensar em consequências— sejam elas financeiras ou sociais, já é um problema de saúde pública, mas as autoridades brasileiras não encaram como tal. A regulamentação parcial discutida pelas autoridades, com determinação de proibição do uso de cartões de crédito e verificação facial, é um avanço, mas ainda há muito que ser aprimorado.
O mercado deseja passar uma imagem para o público e principalmente para os agentes reguladores, mas esta vai na contramão do que acontece no mundo real.
A BIS Sigma Américas é a maior feira de casas de apostas do Hemisfério Sul, e foi realizada em abril passado. Um evento regado de roletas e máquinas que remetem a caça-níqueis no estilo digital, onde o visitante pode se sentir como se estivesse em Las Vegas, a meca da jogatina nos Estados Unidos. Corredores cheios de luzes neon remetiam a um típico cassino legalizado, com bebidas sem limitação e celebrado por figuras conhecidas pelo grande público. Porém, não foi nada similar ao que ocorreu nos dias anteriores no mesmo espaço de exposição, com um evento de frutas e vegetais voltado aos varejistas. Os três dias da feira de apostas trouxeram para a realidade o que os jogos online prometem para seu consumidor: uma vida de luxo e de diversão. Ativações com o Tigrinho, tão famoso entre os jovens por seu jogo, além de um ambiente completamente masculino, que se utiliza de mulheres para atraírem potenciais jogadores para seus stands.


- Foi durante a BIS Sigma Américas que a Agenzia conversou com o gerente da Brazino777 no Brasil. Bruno Geraldini afirmou que o mercado está em franca expansão: “O mercado regulado mudou completamente as regras do jogo porque não pode mais tudo, agora você tem que ter uma organização. O que a tributação fez com as pessoas? O custo operacional do Brasil, pois sabemos que aqui é muito caro.” Ele ainda disse que a legislação brasileira pode seguir o caminho para prevenir os vícios consequentes dos jogos de azar: “O mercado regulado anda de mão dada com a conscientização das apostas. A lei brasileira já é uma das mais rigorosas do mundo.”
Entretanto, o discurso do mercado parece não andar junto com o alerta de médicos e especialistas. Impulsionadas pela regulamentação parcial do setor e pelo crescimento exponencial da digitalização, plataformas de apostas online ganharam espaço entre jovens e adultos de diferentes classes sociais. “A gente sempre falou isso de uma forma muito clara: o mercado de iGaming é regulado. Isso significa que ou vamos caminhar para o caminho do cigarro ou para o caminho da bebida alcoólica. E focamos e torcemos para que a regularização foque na da bebida alcoólica, pois o cigarro é extremamente restritivo e principalmente sua propaganda. As regras de anúncios do cigarro são extremamente restritivas e não deixam o mercado trabalhar”, completou Geraldini.

As apostas no Brasil se misturam com os jogos de azar. O simples — e ao mesmo tempo complexo — envolvimento de figuras midiáticas como clubes de futebol e influenciadores digitais atraem ainda mais pessoas para o mercado, que ao absorver essas pessoas, torna muito difícil a saída. Segundo estudo recente da revista The Lancet, “a evolução da indústria do jogo encontra-se num momento crucial; ações decisivas agora podem prevenir ou mitigar danos generalizados à saúde e ao bem-estar da população no futuro. Até agora, globalmente, os governos têm prestado pouca atenção aos danos causados pelo jogo e não têm feito o suficiente para preveni-los ou mitigá-los.” O estudo de professores de universidades consagradas, como Harvard, detalha que este tipo de atividade pode remeter a diversas consequências que podem não ter volta, começando por quebra do vínculo familiar e miséria, podendo chegar até casos mais graves, como suicídios.
Crescimento da Indústria das Bets
O gerente de conteúdo no Brasil da tão polemica Blaze, Felipe Maia, esmiuçou e fez projeções no presente e no futuro da indústria de apostas no cenário nacional: “Antes o mercado do Brasil era o 8° mundial. Hoje, a nossa expectativa é de que seja o 3° ou 4° maior do mundo.” Ele ainda citou um estudo da SoftSwiss que projeta 10 bilhões de dólares de valor de mercado para o setor de iGaming no Brasil. Enquanto isso, Dario Leiman, chefe de Desenvolvimento de Negócios na América Latina da da mesma SoftSwiss, opinou que a regulamentação do mercado das apostas no Brasil foi um marco importante nos últimos anos para o setor. Ele ressaltou que uma regulamentação rigorosa oferece oportunidades principalmente para as empresas que estão bem-preparadas, e que por consequência, estabelecerão uma presença marcante no mercado de bets.

Nas Camisas e nas Cifras
Ao analisar os patrocínios master de times de futebol da Série A, apenas dois não envolvem as casas de apostas, (Red Bull Bragantino, patrocinado pela Red Bull e Mirassol, com a Poty). Entretanto as casas de apostas têm negócios com esses clubes também, com os logotipos expostos em algum canto dos uniformes. “Algumas coisas são fato né? Ah, por exemplo: vamos proibir patrocínio de times de futebol, vai quebrar o futebol brasileiro, porque hoje o grande financiador do mercado de esportes brasileiros, principalmente futebol, são as casas de apostas. Que não só pagam mais como também pagam (em dia). Vários patrocinadores antes que sumiam, paravam na metade do contrato, pagavam muito menos, sempre aconteceu”, conclui Geraldini, da Brazino.

Antes da temporada de 2025 do Brasileirão Betano, cujo direito do nome do campeonato foi vendido para a casa de apostas, a ESPN fez um levantamento dos valores dos patrocínios que as 10 marcas acordaram para estampar as camisas dos times da elite do futebol brasileiro. Além da dominância dos sites de jogos de azar, outro parâmetro que chama a atenção é a explosão dos números praticados nos patrocínios após a pandemia e com a invasão do mercado de bets no esporte mais popular do Brasil, podendo chegar até 115 milhões de reais. “Assim, eu achava meio perigoso esse negócio (de promover casas de apostas esportivas) mas tanta gente influente, no futebol, os 18 clubes da série A cada vez mais sendo patrocinados e divulgando, o próprio mercado tem que se regular e tem que mostrar uma seriedade e credibilidade monstra”, explicou o jornalista Mauro Beting sobre a ascensão das propagandas de casas de apostas no cenário esportivo nacional.
Dono da Banca

- O papel do influenciador é fundamental para a divulgação e na inserção das bets na cultura brasileira, principalmente entre os jovens. Um dos nomes mais importantes da internet que foi um dos pioneiros no marketing digital das bets é Luan Kovarik, conhecido na internet como Jon Vlogs, que é dono da Jon Bet. Em entrevista à Agenzia, Jon citou como é importante o papel dos criadores de conteúdo na propagação e no alerta para os vícios que podem ser gerados pela inconsequência de quem joga e de quem difunde, explicando que, segundo ele, o papel do influenciador é explicar que existe risco em apostas e que por muitas vezes o apostador pode viciar e não conseguir sair do ciclo das apostas. Além disso, ele ainda refletiu que não se deve colocar o dinheiro do salário do mês, citando como exemplo pessoas que ganham um salário-mínimo e apostam um valor que não é a realidade financeira delas. Ele ainda disse que para o mercado continuar crescendo, é essencial que as marcas apostem no caminho do entretenimento, não o da aposta com fins de enriquecimento financeiro e renda.
Na sequência, o influenciador digital que conta com mais de 10 milhões de seguidores no Instagram, citou como o mercado brasileiro de jogos de azar online é mal regulamentado pelo governo e cita até a expansão desenfreada do mercado chinês: “É uma merda (o desenvolvimento do iGaming) no Brasil. O governo não faz porra nenhuma, cheio de cassino chinês, paga 30 ou 40 milhões de licença e chinês rodando como se fosse nada. Começo de história: tem que ter multa para as fintechs e tem que fechar quem tiver operando no escuro. Quando começar assim, aí sim eu vejo que está evoluindo. Por enquanto é a mesma “laiada” de sempre”.
As bets entre os jovens
O estudo da revitsa britânica Lancet indicava que, nos 68 países pesquisados, 46% dos adultos e 18% dos adolescentes fizeram alguma aposta nos 12 meses analisados pelo ensaio. Aqueles que se enquadram na categoria de jogadores patológicos, que não conseguem interromper o hábito e acabam se endividando gravemente para manter as apostas, representam 1,4%, o que é determinante ao afirmar que o conjunto de jogadores adultos com comportamentos problemáticos em relação ao jogo, cuja dependência já gera dificuldades em suas vidas profissionais e pessoais, corresponde a 8,7% da população mundial.
Dentro do Jogo
Isso pode interferir na formação dos jovens e possíveis futuros atletas, que estão propensos à influência do marketing agressivo das bets no esporte bretão. Um exemplo disso é o trabalho do São Paulo Futebol Clube, que segundo Roberto Armelin, diretor de ESG, Riscos e Compliance, faz um acompanhamento severo na vida dos atletas e alerta sobre os vícios: “O São Paulo faz um trabalho de conscientização de atendimento, inclusive psicológico, de todos os nossos atletas da base. Então a gente sabe que existe riscos na vida de todo jovem. E a gente procura proporcionar o máximo de conhecimento e cuidado que a gente pode, inclusive, com suas respectivas famílias”.
O fim do dinheiro
O fenômeno das bets se reflete na forte presença dessas empresas em clubes de futebol, transmissões esportivas e até mesmo nas redes sociais, onde influenciadores digitais promovem o uso das plataformas, muitas vezes com promessas de ganhos fáceis. Em 2024, as publicidades dessas empresas cresceram 192% segundo a Digital AdSpend.
A economista da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Larissa Dornellas produziu um estudo sobre o tema: ‘’É como se a gente retirasse uma parcela do PIB potencial e a direcionasse para um mercado que não contribui da mesma forma para o crescimento econômico”. No final do dia, esse dinheiro não agrega valor à sociedade, o que agrava ainda mais a ideia vendida por influenciadores de que as bets podem ser vistas como renda extra, tese amplamente refutada pela economista. “A gente tem parte dessa população com uma renda baixa, que já não cobre os seus gastos fixos e variáveis, sendo direcionada para um mercado que vende uma possibilidade de você alcançar maiores degraus na vida financeira, o que estatisticamente é muito difícil de acontecer”, alertou.