sexta-feira

6-junho-2025 Ano 1

PetShow: a nova era de animais nas redes  

Um nicho em expansão e uma das maiores tendências online: o mundo animal das redes sociais. A midiatização dos pets vem crescendo diariamente e nessa reportagem você vai entender os benefícios e malefícios dessa mudança na relação humano- animal através da internet.

Feito por: André Raucci, Laís Hidalgo, Lucas Henning, Mariana Maioli, Vinicius Arrais

No mês de abril o bairro do Tatuapé ganhou um novo integrante. Em frente ao shopping que leva o nome da região, um cachorro vira-lata apareceu e conquistou o coração dos frequentadores, incluindo a estudante Maria Fernanda Quitério. Com apenas 18 anos, a jovem aspirante a ativista ajudou no resgate do animal em situação de abandono. Seu trunfo? As redes sociais.

Maria acompanha e apoia há anos ONGs pelo Instagram. Ao ver aquele cachorro na frente do shopping lembrou das cenas de resgate animais nas mídias e logo teve a certeza de que precisava ajudá-lo. Logo decidiu usar o Instagram para achar uma instituição que ajudasse no resgate. No meio tempo,  ela foi atrás de apoio da vizinhança. A ação comoveu o bairro e o vira-lata caramelo foi acolhido pelo Projeto Amora, que além do resgate proporcionou todos os cuidados necessários. 

A estudante de Jornalismo conta que se aproximou dos movimentos animais por meio das redes sociais e afirma a importância das ferramentas digitais para essas organizações de resgate animal:   

  “As redes sociais ajudam muito, né? Por que não ajudar se você tem essa possibilidade?”

A imagem mostra o vira-lata caramelo resgatado por Maria Fernanda. Acima dele, um hiperlink do “Projeto Amora”, responsável por abrigar o animal, com a escrita “ sigam, compartilhem, e doem”.
Uma das imagens divulgadas por Maria Fernanda em sua rede social. Foto: Maria Fernanda Quitério/ Acervo pessoal

Casos como o de Fernanda viraram regra e não mais a exceção entre os conteúdos animais que circulam pelas redes sociais. O ciberespaço permite – entre humanos – expor e compartilhar as necessidades e o cotidiano dos animais. O “melhor amigo do homem’’ agora ocupa novas posições no mundo virtual com conteúdos informativos, mas também de (muito) entretenimento. 

Adoção e suas reinvenções

Um dos efeitos mais visíveis das redes sociais na causa animal foi a mudança do processo de adoção. Antes a prática era totalmente presencial, restrita a feiras, anúncios físicos e indicação entre conhecidos. As mídias sociais, como o Facebook, Instagram e mais recentemente o TikTok, se tornaram porta-vozes para abrigos, protetores independentes e ONGs. No ciberespaço, podem não apenas compartilhar imagens e vídeos de pets à espera de um lar, mas contar suas histórias. Essa narrativa, muito utilizada, auxilia no processo de despertar identificação, emoção e, assim, muitas vezes resultando em adoções.  Ter conhecimento do sofrimento anterior do animal, do resgate, do processo de recuperação e de avanços diários é bem melhor do que vê-lo em uma pequena jaula numa feira de adoção ou dentro de um cubículo envidraçado de uma loja.

Uma mulher com uma câmera tirando foto sob um gramado. A fotografia que está sendo tirada retrata um cachorro filhote com as orelhas sendo puxadas para cima por outra voluntária do instituto e seu irmão.
Beatriz Nannini costuma fazer sessões de fotos com os animais resgatados para aumentar a divulgação da adoção.  Foto: Lais Hidalgo/ Agenzia 

 Embora o foco não seja a exposição nas redes sociais para as iniciativas de proteção animal, seus integrantes reconhecem que a presença digital é mais que essencial. “O nosso foco nunca é aparecer nas redes, mas sabemos que sem isso não é possível fazer o trabalho” explica a publicitária Beatriz Nannini, de 24 anos, uma das idealizadoras do Instituto Animale. As redes funcionam como uma ponte entre o trabalho externo, feito nas ruas, e o apoio necessário para manter o projeto, como doações, voluntários e o alcance de mais pessoas.

“Sem visibilidade não conseguimos salvar vidas, então por mais que seja um complemento, é fundamental!.”

As práticas de adoção se reinventaram ao longo dos anos e a última moda é a yoga com filhotes. Essa atividade que se popularizou com as redes sociais é uma nova forma que as organizações encontraram de apresentar os cachorros à espera de um novo lar. A prática inusitada chamou a atenção de diversos influencers, que, ao participarem, postam e ajudam a divulgar as páginas das instituições. Se há mais público, os recursos também aumentam e o que parecia ser só uma prática esportiva se torna uma forma divertida de adotar. 

 O trabalho das redes sociais não acaba na adoção. O meio digital tem um papel importante no pós-adoção, ajudando a garantir que o animal tenha ido para um bom lar. É uma forma que as iniciativas encontraram para manter contato com os novos tutores. Assim, eles podem investigar sobre a adaptação do novo integrante e informar de cuidados necessários com o pet. Existem também diversas páginas, como The Dodo, que mostram a adaptação e benefícios de diferentes animais em novos lares. 

Entretenimento e personagens animais nas redes 

Hoje, aplicativos como Instagram e TikTok possuem diversos perfis que retratam a parceria entre homem e animal, mostrando o convívio e a rotina desses seres. Porém a mudança é também na perspectiva. Os humanos não são os únicos a terem contas e conteúdo próprios, e surgem então os animais influenciadores (ou pet influencers). 

Os perfis como o de Gudan e Blant, huskies brasileiros, já contam com 1,7 milhão de seguidores no Instagram. O TikTok é pivô para o crescimento desses animais, onde sequências de vídeos curtos proporcionam alegria e entretenimento para o público. A raça de cachorro que antes no imaginário popular era automaticamente ligada à neve, pode mostrar a realidade de uma rotina tipicamente brasileira e que inclui momentos espontâneos. 

Para pessoas que crescem nas plataformas com esse tipo de conteúdo fica claro que o nicho nasceu de forma rápida, mas também muito natural. 

“Eu nunca tive a intenção de fazer conteúdo pet” diz o influenciador e ator Gustavo Spina.

Ele se tornou famoso por publicar vídeos de seus cachorros carinhosamente apelidados de matilha. Ele conta que começou no ramo sem a intenção de viralizar. Apenas compartilhou vídeos que achava engraçados nas redes, e quando foi ver o resultado foi um vídeo viral atrás do outro. 

A possibilidade de conquistar as redes com seus pets foi uma surpresa para ele, que sempre cresceu com bichos ao seu redor. Acostumado a gravar momentos rotineiros, ele viu um novo mundo online, onde o foco do perfil, como ele mesmo gosta de ressaltar, é a família com animais de estimação.

Exatamente por essa forma orgânica de criação de conteúdo, o perfil atrai mais de 300 mil seguidores nas redes que muitas vezes gostam de acompanhar por se identificarem com Gustavo e sua matilha. 

 Os divertimentos que os espectadores vêem fazem parte da vida do ator, que por conhecer a rotina das cachorras encontra os momentos de alegria que vive com elas e grava de forma espontânea. O que começou como algo inusitado hoje se tornou uma forma de renda, mas também um espaço para mostrar como é a vida dos pets e sua família. 

Segundo uma pesquisa realizada pela Northeastern University, em Boston, nos Estados Unidos, revelou que os seres humanos tendem a sentir mais empatia por animais do que por pessoas. Possivelmente essa seja uma das razões pelas quais o protagonismo das redes esteja tão ligado aos animais. O fato é: o sucesso deles é um reflexo da relação de parceria entre humanos e pets. 

Ativismo e seu alcance

 Os influenciadores voltados para o lifestyle animal tem algo em comum: o carinho e o zelo pelos bichos. Sempre que uma situação de violência ou descaso surge, as redes aparecem como um espaço para denúncia. O ambiente digital rompe as fronteiras físicas, e amplia o alcance de uma realidade concreta, a persistência dos maus-tratos animais.

Os recursos que a Lei de proteção ambiental prevê na Constituição de 1988 foram grandes avanços para o Brasil para frear esse tipo de violência. Porém existem debates sobre o alcance e a fiscalização dessa medida legal, e é nesse aspecto que entra o papel ascendente das redes.

Num país onde segundo o Sindan, órgão referente à saúde animal, existe a segunda maior população pet no mundo, são assustadoras as estimativas de animais abandonados. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem como estimativa 30 milhões de animais em situação de abandono, número alarmante para uma prática que além de desumana é criminalizada.

 A brutalidade do abandono se torna ponto de atração nas redes, e o espaço online encontra protagonistas como a ativista Luisa Mell. A apresentadora e atriz construiu sua carreira no ativismo animal junto à televisão, e assim se consolidou como uma das referências no meio. Luiza hoje possui um dos maiores institutos de resgate e cuidados de animais que sofreram maus tratos, o Instituto Caramelo, que sobrevive com doações, muitas delas recebidas pela força das redes sociais. 

O crescimento de animais resgatados e doações é também fruto de um espaço para denunciar os casos de agressões, abandono e descuido. Ou seja, as mídias sociais deram publicidade a essas ações antes menos conhecidas. Projetos como o da ativista Luísa Mell ganham força e se sustentam por meio da internet, provando que é possível tornar o ciberespaço uma ferramenta para o ativismo na causa animal. 

 Os influenciadores e pessoas públicas não são os únicos a utilizar o alcance das redes. Como forma de conscientizar a população, o governo em parcerias com empresas privadas criou o mês de sensibilização ao abandono de animais denominado Dezembro Verde. A escolha do mês não foi por acaso. O fim do ano é período no qual os índices da prática ilegal de “jogar fora” seu bicho de estimação, justamente pelas festas e viagens. Essa iniciativa de conscientização utiliza das redes para sua adesão, e nos aplicativos contam com o apoio de diversas instituições contra os maus tratos. 

Print de tela do aplicativo do Facebook mostrando as opções de denúncia de uma publicação.
Agora, o Facebook disponibiliza a opção de denunciar uma publicação por abuso de animais (primeiro tópico de baixo para cima na imagem). 

 A busca por justiça não é algo restrito ao Brasil. Em 2021, um curta metragem intitulado Salve o Ralph repercutiu nas redes sociais mundiais e começou uma hashtag viral de mesmo nome. A animação retrata um coelho simulando uma rotina humana onde seu trabalho eram os testes de cosméticos, que geram diversos machucados em seu corpo. O objetivo era sensibilizar o público em relação aos testes realizados em animais na indústria cosmética, mostrando a crueldade animal da prática. 

Criada pela instituição Humane Society International, a ação queria atingir os países onde os testes ainda são permitidos e conscientizar a população dos efeitos cruéis sobre os bichos. O burburinho das mídias permitiram que o vídeo circulasse e furasse bolhas, fomentando o ativismo, além de gerar reconhecimento a outros meios de incentivo pelo fim dessa cruel prática. Uma delas é a criação do projeto Te protejo, organização sem fins lucrativos que promove marcas livres de crueldade animal, ou seja, não realizam testes em qualquer animal e também são sustentáveis. 

Os limites e perigos de animais nas redes

 É inegável o papel positivo das redes em relação à adoção e denúncias. Mas nem tudo são flores.    Em conjunto com o grande espaço que o mundo animal conquistou na internet, as já conhecidas preocupações com o bem-estar dos bichinhos não deixam de se estender aos próprios conteúdos de entretenimento pet.

“O limite é até onde não está fazendo mal para ele (animal), e às vezes até para a própria pessoa”, explica Gustavo Spina.

A exploração dos animais sempre foi tida como um “tabu” e muito tardiamente foi colocada em pauta. Como resultado, pode ser ainda mais escancarada pelas mídias digitais. Motivada pelo lucro que a exposição dos pet nas redes é capaz de gerar, essa nova indústria de entretenimento, apesar de engajar as pessoas aos conteúdos animais, pode esconder múltiplos crimes e descasos.  

Foto de um cachorro olhando para um computador de forma triste.
Os animais expostos na internet muitas vezes ficam reféns da busca por lucratividade de seus donos, sendo submetidos às pressões da internet. Foto: Kyle Hanson/ Unsplash

Expor os animais a vida “instagramável” pode levá-los a hábitos fora de sua natureza, e comprometer o seu bem-estar. Como uma figura pública, Gustavo conta:

“Tem coisas muito absurdas que chegam em mim. Um adestrador que tem parceria comigo me contou um caso de chegar numa casa e a pessoa falar pra ele, olha, você pode mudar tudo que você quiser no meu cachorro, menos o McDonalds que eu dou pra ele de final de semana.”

O alerta que o influencer traz é para todos que produzem mas também consomem o conteúdo animal. 

O exemplo perfeito do que não fazer online

Nesse vasto território sem regulamentações que é a internet, saber o que não fazer ou não falar é a melhor maneira de se esquivar de potenciais problemas. E no mundo animal o alerta é o mesmo. O documentário da Netflix Don´t fuck with cats, lançado em 2019, conta a história perturbadora de como Luka Magnotta, um narcisista psicopata, conseguiu chamar a atenção das redes sociais para si com vídeos assassinando gatos.

 Com a repercussão desses vídeos, foi criado um grupo de pessoas  revoltadas no Facebook para tentar encontrar o assassino. Esses “detetives virtuais” só não esperavam que acabariam causando o suicídio de um homem acusado sem embasamento, após ser linchado pela rede social. A acusação infundada sobre o autor do crime, além de levar um homem inocente a tirar sua própria vida, dificultou a busca pelo real criminoso. 

  O caso do Açougueiro de Montreal, como foi apelidado à época, mostra como as redes sociais podem ser não apenas causadoras, como foram com o suicídio de uma pessoa inocente. Mas também cúmplices, como foram com o próprio assassino, após dar os holofotes que ele tanto queria. 

A série da Netflix nos faz concluir que a violência animal passou a representar um novo degrau na confusa fronteira do que é aceitável nas plataformas digitais. E quando usada por aproveitadores, pode se tornar uma grande ferramenta de disseminação de ódio. Mesmo apenas uma boa intenção, nas redes sociais, já não é o bastante. A palavra-chave é consciência. Sermos conscientes do que e como consumir os conteúdos, é a maior virtude que podemos ter em uma era em que o engajamento muitas vezes fala mais alto que a empatia. 

f10

O grupo F10 é formado por André Raucci, Lais Hidalgo, Lucas Henning, Mariana Maioli e Vinicius Arrais

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